domingo, 28 de novembro de 2010

Mandei dizer que te amava pelos gatos do beiral




Foto: João Luz
«Meu gato morto olha para mim do além...»



Sabes, ainda pensei escrever-te uma carta

Enviar-te um ramo de prosas que me nascem nos

dedos

Ou simplesmente fruta do quintal

Mas tive receio que não compreendesses o Braille

dos meus degredos

A forma crua como faço música com as lágrimas

Nos acordes despidos dos vinhedos



Ainda pensei se não seria o caso de te falar

pelos ramos das árvores

Pelo Às das suas copas

Se não estaríamos no tempo de fazer regressar as

tropas



Mas depois, quando lavrei a terra que se juntara

em volta do meu coração

Senti que me faltava a semente do teu beijo

E sabes que eu sempre te sonhei pela boca, fio de

água



Germina então comigo neste inverno, mão na mão

Tudo aquilo que sempre nos faltou afinal

Agasalha-te neste relento, neste desejo, nesta

frágua

Que já mandei dizer que te amava pelos gatos do beiral

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amamo-nos como búzios



Foto: João Luz
«Looking into the water eye.»

O silêncio foi de repente interrompido pelo bater de asas de uma mariposa. Um beijo rolou da boca, tombou no chão.
Não restava mais ninguém dentro de nós. Saíram todos.
Fico por um momento a pensar de como te falar das guerras, mas a boca encontra finalmente a boca, a mariposa morre de tão efémera.
Ninguém sabe, ou sequer imagina, de como somos tão sós.
Ontem , por exemplo, não te vi a florir na praça, e o vento, esse parecia um louco à procura de ti.
Não reparaste acaso no sopro que te dirigi? Fi-lo em gaivotas tontas, confundidas entre a tempestade e o amor.
E as mãos, que fazemos das mãos?
Já sei, afagamo-nos como búzios e ficamos tristes à beira mar.

domingo, 21 de novembro de 2010

O preservativo. Solução milagrosa



Cartoon de António

Bento XVI acaba de "autorizar" o uso do preservativo em casos pontuais, casos sobre os quais ainda não estou perfeitamente elucidado, mas que presumo se reportem a doentes infectados, ou a individuos que se apresentem notoriamente incapazes de usar o cérebro...
Dirão os mais esclarecidos que a medida representa uma revolução no pensamento cristão, desde sempre agarrado ao sexo reprodutivo, chutando para o plano do pecado todo o comportamento impróprio, dentro ou fora do casamento.
Sobre esta coisa do sexo com o fim único da reprodução, teve a grande Natália Correia discurso na Assembleia da República que entrou para os "anais" do bem dizer, estendendo ao comprido a falsa moralidade reinante.
Realmente, devemos ser muito agradecidos à Igreja por ter estado sempre um passo atrás no desenvolvimento do pensamento e das sociedades. De ter queimado na fogueira grandes pensadores, cientistas. Homens fora do seu tempo, dirão vocês, homens castrados à força, direi eu.
Devemos agradecer-lhe a forma determinada com que evangelizou, como sempre se aliou ao poder dominante, mesmo apregoando um outro reinado. A forma como sempre retirou ao homem a capacidade de aspirar a um novo dia, mesmo que a fraternidade e a igualdade pregadas, tivessem por perfil um Deus entre a bonomia e a vingança, e apesar disso.
Uma igreja de cariz social a de hoje, é aquilo que se exige. Mesmo que remende as perversões do sistema numa sopa dos pobres. Mas que o faça.
Que mostre o seu lado solidário e caritativo, e venda se preciso for o fausto que a caracteriza. Que seja uma igreja despojada se necessário, mas que esteja do lado do homem e não um passo atrás.
Que se diga presente nestes tempos de esvaziamento ideológico que caracteriza as sociedades ocidentais, que ampare, que guie, mas por forma a contribuir para um discurso humanista, de elevação do homem, e de uma verdadeira moralidade.
Tal desiderato só será possível se as fundações desse trabalho árduo tiverem por matéria prima a necessária compreensão dos problemas de cada momento, de cada época, e seja esse o desafio.
É por isso que esta nova liturgia do preservativo peca por tardia, tem demasiadas mortes nas costas, demasiados filhos largados. Está prenhe de um contínuo alheamento das questões fundamentais, de uma falsa moralidade que a corrompe no seu cerne.
Os escândalos sexuais repetem-se na Igreja, tradicionalmente capaz de se fechar sobre si mesma, abafando as repercurssões sociais dos seus pecadilhos. Porém, todos os dias os jornais fazem parangongas com a pedofilia dos seus padres, todos os dias esta igreja parece afundar-se na sua própria e específica moralidade.
Será por isso que Bento XVI, um Papa apelidado de conservador e austero, mas que parece a cada dia descobrir virtudes no seu antecessor, se mostra insuspeitamente aberto, informal e sorridente?
Se João Paulo II foi caricaturado pelo grande António com um preservativo no nariz, Bento XVI, deveria sê-lo calçando-os nas duas mãos, pois tem nelas o peso de um recém-nascido, e a necessidade de ser parteiro de um novo advento.
Ao homem do seu tempo, não resta afinal que estar um passo à frente dele, e assim, nestes tempos perversos de democracia, saber sempre o que o espera, numa espécie de desencanto auto-preservativo.
Nunca os poetas foram tão verdadeiros, nunca o amor tão urgente.


É engraçado como um simples preservativo, no fundo, me fez desviar tanto do objectivo desta crónica. Coisa simples de usar, que afinal basta enfiar na cabeça.

Vou suicidar-me no primeiro raio de sol



Foto: João Luz


Vou suicidar-me no primeiro raio de sol. Já testamentei os meus parcos haveres: todo o sal do mar e as sereias pornográficas que copulam com o vento norte. Uma gaivota de crude.
Já me despedi de quem gosto: poetas sem lei, que vivem para além da morte, ledos.
Dei carta de alforria às prostitutas que trabalhavam nas esquinas dos meus olhos, encerrei os bordéis sujos nos meus dedos.
Promovi os pedintes a monarcas, fiz dos enjeitados nobres patriarcas.
Deixei dito que mais nenhuma criança cresceria antes do tempo, que a única lei vigente passaria a ser a da brincadeira e dos afectos.
Que o poema fosse a única matéria leccionada nas escolas, sítios amplos sem portas, janelas ou tectos.
Assinei papéis doando os meus orgãos: o fígado para ser transplantado num homem são, mas azedo e sem coração.
Os pulmões experimentados num réptil, os meus rins enxertados em árvores de fruto.
Paguei adiantado às carpideiras com o dinheiro sujo que ganhei amamentando o sistema, mesmo não tendo tetas, pregador de certezas, pastor crente de um rebanho de petas.
Espero que chorem, esperneiem, larguem baba e ranho por mim, e no final das exéquias se sirvam canapés, se leiam poetas malditos e o vinho esgote.
Para onde vou não preciso de memória, a palavra saudade deixará de fazer sentido, o próprio verso, mote.
Vou suicidar-me no primeiro raio de sol. Espero que me trespasse de luz o coração.

sábado, 20 de novembro de 2010

Quando não me apetece escrever a ponta de um corno


Foto: João Luz

Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou gazela devorada pelo apetite voraz da fera, sou a fêmea com os lábios borratados de sangue, caçando por mim.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou o pássaro que morreu de fome numa gaiola, a mão que se esqueceu do gesto.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou um mundo bárbaro, um sorriso por andaimes, uma escalada de morte, a guerra.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, explodem aviões por minha culpa, Deus é apenas uma ideia guardada num frasco. Caem torres gêmeas por afinidade.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, as criancinhas violadas são expostas em montras, os pedófilos crucificados em praças.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, as certezas são perversas mentiras, o amor uma espécie de prostituição.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, uma assembleia é uma reunião de bandidos, uma República uma burguesia descarada.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou abutre recolhendo as letras que sobraram da carcaça, uma labuta de morte pelo derradeiro pedaço.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, descubro um vibrador na alma, um coito interrompido no mundo, e definho masturbando-me.

domingo, 14 de novembro de 2010

Há em cada artista um filho indesejado de Deus



Foto: joão Luz «Shadow and reflection on clean water»


Há em cada artista um filho indesejado de Deus. O tempo não passa de um miserável embuste. Mulheres de ancas largas, divinas putas do criador, parindo os minutos que têm as horas, que têm os dias.
Há em cada homem fora do seu tempo, um filho sem pai, um enjeitado colocado numa roda, um fruto indevido do acaso.
Se pela arte se pode atingir Deus, e se assim o dizem, eu espero que alguém já tenha sido capaz, por obra feita, de o socar no rosto e de lhe partir dois dentes.
Rais parta o tempo que demora cada homem a encontrar a liberdade, neste sexo demorado com o cosmos.
Rais parta a bonomia com que se encara a guerra, os perversos movimentos da economia. Rais parta o conformado, o temente.
Há em cada artista um filho indesejado de Deus, um salteador do tempo, mesmo que a paga seja esta quase solidão, e invariavelmente a morte.
Há, quero crer, em cada homem um Deus, capaz de amar incondicionalmente a puta que o pariu: Mãe terra de ancas largas.
Escrever como quem morde, e morrer, morrer em cada fracção de tempo, numa ressureição permanente dos sentidos, subtraindo segundos à eternidade.
Como um rapaz de fisga disposto a matar.

domingo, 7 de novembro de 2010

«Os poemas não se servem frios» no Arte & Gourmet









Estive no passado dia 4 de Novembro, a convite do Arte & Gourmet, com a minha amiga e cantora Ção Pitada, a fazer uma performance poetica neste espaço, promovendo tambem o meu mais recente livro de poemas.
Sala cheia de gente das artes, da sociedade e da cultura vimaranenses, e um prazer interagir com todos.
Renovo os meus agradecimentos ao Delfim pelo convite.

Todas as fotos aqui:
http://www.facebook.com/home.php?#!/album.php?aid=34501&id=100000691407872

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Do meu último livro «Os poemas não se servem frios» - A minha morada é a palavra



Há um vazio dentro de mim
Feito daquilo que ainda não aconteceu
E habita neste ventre de gestação o poema

Tem braços de mar
É corpo sem terra para atracar
É sonho, fantasia
Luz forte de cada dia

E são de mármore os silêncios aqui
Nesta planície onde crio raízes etéreas
Onde construo castelos sem fortaleza
Onde me conjugo em cada ânsia
Em cada incerteza

De homem tenho tudo
Mas sou assexuado no que quer que diga
Sou carreiro, sou distância e formiga

E não estou sozinho na solidão de te pensar
De te dizer, de te amar
Não estou sozinho por estar

A minha morada é a palavra
Nela me expando para além do que vejo
Do que sinto
Nas verdades que digo quando minto

Se a um poeta se perdoa esta sorte
Viva então em mim o poema para além da morte

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Apresentação de «Os poemas não se servem frios» no Arte & Gourmet




Na próxima quinta-feira, no Arte & Gourmet, em Guimarães, preparei poemas para dizer, da única forma que o sei fazer: com o coração nas mãos, pronto a oferecê-lo a quem o quiser segurar.

A Ção Pitada, cantora de que ainda ouvirão falar muito, acompanha-me nesta viagem pelas palavras, numa cumplicidade a cada dia maior.

Não deixem de aparecer. O espaço é fabuloso.

Para ver localização:

http://www.facebook.com/profile.php?id=100000691407872