sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Não vai haver passagem de ano


Foto do Google

Não vai haver passagem de ano. Foi gamada por um duende.
Cinderela já disse estar disposta a alargar a coisa dez minutitos depois da meia noite, porque a madastra que ainda não foi desmascarada, tem em casa um problema com ratos que se transformaram em cavalos.
Peter Pan ficou de jantar com sininho, mas vai ter que correr atrás do bem.
Tomara que sininho encontre um badalo para dá-lo.
E que o tempo se atrase. Até que o cabrão do duende mental que fugiu com a meia noite seja apanhado com a boca na botija.
O Scrooge do Dickens não é para aqui chamado que já foi Natal e já teve a sua oportunidade de ser bonzinho.
O Super-Homem caiu abaixo de um cavalo que fazia parte de um problema de ratos da madastra da Cinderela, presumo que não será de grande utilidade.
- Podia chamar-se o Chaplin e ele fazia um número divertido enquanto o duende não era apanhado.
- Ou o Luís de Matos, e ele fazia-o aparecer num elefante em lingerie...
Lembrei-me agora: - E se a malta chamasse o Xavier Zarco, ele trazia a cervejola, os diplomas e os prémios todos que tem lá em casa naquela salinha simpática, e pregava uma seca enorme à malta, até esquecermos da meia noite que foi gamada pelo duende?
Também se podia mandar vir umas pizzas. Daquelas grandes. Familiares.
E desejar que elas ganhassem vida, e que corressem muito, e que quando o duende que gamou a meia noite desse por ela, elas estavam a entrar-lhe pelo cu acima.
A ver se gostava!
Ninguém gama a meia noite, frustra a ideia romântica de um ano novo e se fica a rir.
A não ser que goste.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Por não te amar assim perdidamente


Foto: João Luz


Por não te amar assim perdidamente
Uns dedos não se entrelaçaram
Não se abraçaram com os campos da tua janela
No quarto crescente de nós

Um beijo não foi dado
Um sorriso não se partilhou
uma peça de teatro não aconteceu
Um jantar a dois não se combinou

Por não te amar assim perdidamente
Houve um poema que não se fez
Um tempo que nunca nos pertenceu
Uma vez como a primeira vez:

O vento a afagar-te os cabelos
O ar impregnado do teu cheiro
O chão a abrir-se nos teus passos

Por não te amar assim perdidamente
Deixei todos os romances a meio
Nunca desatei os nós e os laços
Fiquei perdido no seio dos enredos

Mereço que as palavras me abandonem
Que os meus dedos sejam só os dedos
E depois não saiba dizer-te urgente

Na verdade do poeta a ilusão do homem
Por não te amar assim perdidamente

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Há «Momentus»...

Noite excelente de partilha. Participação animada da plateia...Não posso pedir mais.
Escrevo como quem constrói uma casa. Tijolo a tijolo.
Fiquem com algumas fotos deste momento e apareçam sempre.
Um abraço ao Nelson e esposa, aos clientes do Momentus, numa cidade que fervilha: Guimarães.
Em 2012 respirar-se-á cultura nesta capital europeia.
Estarei por lá. garanto-vos.




domingo, 12 de dezembro de 2010

Onde o poeta punha o pé nasciam rosas



«Onde o Santo punha o pé nasciam rosas, e o povo lamentava que não fizesse o mesmo com batatas.»
Joaquim Namorado


Onde o poeta punha o pé nasciam rosas. Bouquets delas, finas e chorosas. O mundo era um imenso jardim florido.
Nem sombra de maldade, só um sol radioso que as fazia crescerem viçosas, dadas.
As criancinhas, com seus pés descalços e delicados, calcavam-nas sem se picarem, mas logo o poeta vinha atrás e consertava tudo com versinhos dedicados, distribuindo beijinhos e abraços às musas.
Tanta felicidade, tanto bem querer, tanta amizade para espalhar, que até os pobrezinhos, tão descalços como as criancinhas, em suas vestes de serapilheira, estendiam regaços à caridade literária, beijavam a mão ao poeta, gratos.
A guerra já não se fazia, não havia atentados à norma. Sonetos, sonetos.
Felicidade assim não tinha preço. Tinha sido uma conquista aos hereges, aos malditos que ensombravam a terra, feita à custa de armas sim, de muito sangue derramado, mas valera a pena.
Já ninguém ousava escrever palavras que depois de plantadas não abrissem em flor, já ninguém tinha dúvida de que o único tema possível em poesia era o amor. De que a amizade era cousa mui bela.
Casavam-se os poetas e as poetisas em cerimónias deslumbrantes. Eles de fraque, elas de véu e grinalda, e as criancinhas, descalcinhas e delicadas, sem se picarem nas rosinhas, segurando o longo manto.
Batiam-se palmas à passagem do cortejo nupcial. As musas à janela, donzelas e castas, mais suas mães de farta bigodaça, repousando os generosos seios nas colchas.
Que bom que era viver num mundo assim perfeito. Os velhinhos acarinhados, mesmo os que já haviam atingido a senilidade e a estupidez.
E as criancinhas, as criancinhas, não eram o futuro de coisa nenhuma. A elas, neste mundo a rebentar pelas costuras de fraternidade, de bonomia, de intensa solidariedade, restava-lhes somente o papel de calcarem as rosinhas, descalcinhas e delicadas, vindo o poeta atrás consertar tudo com versinhos dedicados.

sábado, 11 de dezembro de 2010


Foto: Margarete

Ando por aí a dizer os meus poemas com uma cantora formidável, uma amiga que ganhei no dia em que a conheci: Ção Pitada.
Um nome simples para uma mulher de um talento e generosidade sem igual.
Ontem a noite fez-se de palavras, de afectos, de risos.
Assim é a poesia e falta-me dizer tudo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

José Ilídio Torres e Ção Pitada apresentam:





Dia 10 de Dezembro, sexta feira, no Momentus Bar em Guimarães, espectáculo intimista, onde a música portuguesa aparece ligada às palavras do autor de «Os poemas não se servem frios».
Reedição de um formato experimentado com sucesso no Arte&Gourmet, e com várias sessões agendadas a partir de Janeiro.
Uma boa maneira de acabar o ano. Apareça.

22,00 Horas

O Momentus fica:

Rua Santa Maria, 38-centro histórico, Guimarães, Portugal
Junto ao Largo da Oliveira

domingo, 5 de dezembro de 2010

O homem que tombou no túmulo de um livro



Nota: Escrevi este texto em 2008, a partir de uma sugestão de Sandra Fonseca, num dia em que estava a escrever compulsivamente e me bastava um título ou uma ideia para o fazer.
Hoje redescobri-o e lembrei-me desta amiga, que foi fundamental em 2009, enquanto minha confidente, durante a escrita de «Diário de Maria Cura», romance que editei nesse ano pela Temas Originais.



Um homem sai de casa numa manhã de nevoeiro sem saber para onde ir. Perdeu o emprego logo depois de encontrar a mulher com o patrão, que também era o seu.
Perdeu até o cão, que gostava mais das festas do seu chefe.
Parecia-lhe tudo azedo naquela manhã, até o café, por mais açúcar que lhe deitasse.
Sem saber que rumo tomar na sua vida, de mala na mão, que os tempos da grande cidade eram outros, deambulou pelas ruas até os olhos lhe doerem nos pés.
Da relação passada não trouxera mais que um livro, cuidadosamente amparado por folhas de jornal amarrotadas, numa volumosa mala.
A mesma que sua mãe lhe dera de enxoval para casar com a rapariga da cidade que não lhe largava o pescoço, sempre manchado de um baton de terceira categoria.
Na aldeia foi uma escandaleira, quando a rapariga que conheceu no escritório, apareceu de mini saia tão curta que todos tinham que olhar para cima, feita de um andar rebolado que fez babar meio tasco do Jeremias, e o fez vender mais de um garrafão no resto do dia.
Mesmo assim casaram-se. Eles os dois e o padrinho numa escapadela.
Agora não lhe restava nada, nem mesmo as memórias do passado, que até com as fotografias ela tinha ficado….
Apesar da profunda tristeza, guardava numa mala que não largava por um minuto, o seu maior tesouro: um livro.
Um livro que tomou em mãos quando chegou a uma espécie de prado verdejante, bem longe do ruído dos carros, do ar poluído da selva urbana.
Acariciou-lhe a capa, que encostou com ternura à face, fazendo um esforço para não chorar lágrimas que a molhassem.
Abriu-o na última página e começou a caminhar enquanto lia, deixando para trás a mala de toda uma vida, carregada de vazio.
Absorto pela leitura, já entrado no último parágrafo, no exacto momento em que olhava o ponto final que terminava o livro, tombou dentro de um túmulo aberto para receber um homem, naqueles cemitérios à americana que agora se fazem.
Quando o encontraram, repousava tranquilo, de mãos cruzadas no peito de um livro, a cujo título o coveiro haveria de afastar o pó:
“A Ponte para a eternidade”