segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DE REGRESSO AO MEU VELHO BLOG

Os caminhos da minha vida são feitos de encruzilhadas. Há alturas em que sigo inteiro, outras em que vou em várias direcções. Partir ficando ou ficar partindo, são sempre hipóteses em aberto. Estou de volta sem nunca daqui ter saído.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

por não te amar assim perdidamente

Foto: jorge manuel palha «os nós e os laços» por não te amar assim perdidamente uns dedos não se entrelaçaram não se abraçaram com os campos da tua janela no quarto crescente de nós um beijo não foi dado um sorriso não se partilhou uma peça de teatro não aconteceu um jantar a dois não se combinou por não te amar assim perdidamente houve um poema que não se fez um tempo que nunca nos pertenceu uma vez como a primeira vez o vento a afagar-te os cabelos o ar impregnado do teu cheiro o chão a abrir-se nos teus passos por não te amar assim perdidamente deixei todos os romances a meio nunca desatei os nós e os laços fiquei perdido no seio dos enredos mereço que as palavras me abandonem que os meus dedos sejam só os meus dedos e depois não saiba dizer-te urgente na verdade do poeta a ilusão do homem por não te amar assim perdidamente in: «Os poemas não se servem frios» Temas Originais 2011

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Era uma vez uma história começada por era uma vez

Era uma vez uma história começada por era uma vez Era uma vez uma história que ainda não tinha sido escrita, por isso não começava, não se desenvolvia, nem acabava. As personagens não eram nem principais nem secundárias, porque ainda não tinham sido criadas. Passar-se-ia numa folha branca, num dia em que o escritor se sentasse à sua secretária, de frente para a janela de onde se avista uma outra. Vive lá uma mulher que deseja muito ser amada, mas que a cidade esqueceu. A sua história é tão desconhecida como as razões de uma página branca desafiando quem a olha. Está ali, à distância de uns dedos que a toquem, de um corpo que a preencha e tome. Mas o escritor não sabe disso na hora de escrever a sua própria solidão. Por isso imagina histórias começadas por era uma vez. E foi o que fez da vez em que viu um rosto belo de mulher abeirar-se da janela que fica de frente para a janela da sua escrita. Cabelos escuros, abaixo de uns ombros delicados. Seios que se adivinhavam redondos, num corpo generoso que merecia o sol naquela tarde cinzenta de inverno. Logo a tomou como personagem, rodeando-a à distância com suas mãos abertas e seus braços longos. Sentiu-se acompanhado pela tristeza que descobriu nos seus olhos salgados e distantes, profundamente tocado por uma ternura que precisava das palavras para se cumprir. Por isso, como um pintor que pinta um modelo fortuito surgido do nada, começou a escrever a sua história. Falava de uma mulher esquecida pela cidade, capaz de amar intensamente, mas à espera de uns dedos que a tocassem, a tomassem, despindo-a da angústia dos dias iguais. De tão embrenhado que estava na construção daquela história que agora existia, se desenvolvia e caminhava para o fim, nem se apercebeu de uma estranha azáfama no rés-do-chão, misturada com gritos e olhos tapados de dor. Sequer de um policia correndo as cortinas da janela que ficava irremediavelmente de frente para a sua escrita. Terminava bem aquele texto que escreveu em tributo a uma mulher que pressentiu de forma fugaz naquela tarde cinzenta de inverno. Tinha-lhe oferecido o amor, em palavras como agasalho aos dias tristes e sós de uma cidade que se esquece de partilhar afectos na sua volúpia. Rubra era a calçada, quatro andares abaixo da eternidade. Foto: Jorge Manuel Palha

sábado, 14 de janeiro de 2012

O CÃO QUE ME ESPERA

O cão que me espera não tem pernas, flutua e lambe-me o rosto Mas sabe falar inglês, e ninguém o diria Serve-me martinis dry, com azeitona e tudo O jornal, trago-o eu nos dentes desde que passo a porta Por vezes temos necessidade de trocar os papéis Ele escreve e eu ladro o mais alto que posso Entre mim e o cão que sempre me espera, não existe trela Só um esplendor de sol, e relva E tem dias até em que ele me lança o disco E eu apanho-o soberbo com os dentes, num rasgo de rins E rio-me disso Logo depois do osso que ofereço ao destino para que nos apanhe A mim e ao cão que nunca deixou de me esperar Quando trago um cheiro a poemas no pelo E ele me escova até eu deixar de me coçar Sou-lhe fiel como um homem pode ser a um cão. in «Os poemas não se servem frios» Temas Originais - 2010

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ainda ontem me suicidei

Ainda sinto o sabor a queimado da pólvora na boca. No buraco que tenho na nuca plantei gerânios, planta de que só tinha ouvido falar de nome, mas que se entranhou bastante bem. Tenho, é dificuldade em conseguir per...ceber o homem vestido de bala, que intermitente, saltita levantando os braços. Para ser sincero, eu não me suicidei ontem, foi tudo um equívoco. Eu estava a limpar a arma com a língua. Esta que me faz disparar a torto e a direito, mais tiro menos tiro pela culatra. E foi o que aconteceu. A arma disparou um abutre negro recém-chegado, que nidificou no meu palato e agora vive de cadáveres. E tem vezes até, em que sonho que me estou a autopsiar. Quando chego ao fígado, aparece sempre um daqueles letreiros intermitentes de Motel, um néon rasca descarado nos corpos. E eu, num Cadillac que nunca tive, embalo desfiladeiros. E chego a pensar que a Rosanna Arquette não envelhece, e que vale a pena ter Hollywood numa jarra. Foto: Jorge Manuel Palha

domingo, 30 de outubro de 2011

Os sinos dobram pela liberdade

Há um poeta enforcado no campanário
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Serve o seu corpo frio de contrapeso
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

A corda esticada num pescoço operário
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

E nas calças um pénis bem teso
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não


Junta-se o povo em burburinho
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Mais as carpideiras e os cangalheiros
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Umas choram, outras gemem baixinho
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Outros fazem contas aos seus dinheiros
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não


E o poeta mais morto que peru
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Mas altivo nessa morte sem igual
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

Tem escrito no peito, a tinta-cru:
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não


- Fodei-vos! Liberdade não é coisa banal
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

- Podeis meter a minha morte no cu!
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

- Que eu nunca morri afinal!
Dlim-dlão, dlim-dlão, poema sim, poema não

25-11-2010

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Feira do Livro de Barcelos - Eventos onde estarei presente


Dia 9 de Julho - 21:30 - Apresentação do meu mais recente livro «A Lenda das Cruzes»

Dia 15 de Julho - 21: 30 - À conversa com o escritor José Ilídio Torres

Dia 17 - 18:00 - Apresentação do livro de Simão Lopes «As aventuras da Rita»

terça-feira, 19 de abril de 2011

A JUSTIÇA NÃO É PARA TODOS



A JUSTIÇA NÃO É PARA TODOS

Ai se fosse…
A justiça não é de quem dela precisa, mas de quem dela faz uso.
...Do pobre raramente é, a menos que lhe matem um filho, o assassino seja apanhado em flagrante e…confesse.
Dizem que a justiça é cega, mas nos tempos que correm já foi certamente operada às cataratas e usa lentes de contacto.
A própria balança que segura na mão esquerda precisa de ser aferida, pois tomba sempre para o mesmo lado.
As cadeias estão cheias de delinquentes comuns, parece ser essa a força da espada. Mas onde estão os de colarinho apertado, os de gravata fina?
Presos às suas empresas. Presos à exploração que ditam. Presos aos interesses, aos lobbies, ao dinheiro, aos políticos.
Uma justiça social quer dizer no vocabulário de hoje, que são sempre os mesmos a pagar a crise, as favas e o diabo a sete.
A justiça não é para todos, é para um conjunto de chico-espertos capazes de manobrar, capazes de influenciar, de viver no lapso, na falha da lei, para uso pessoal, para branquear os crimes económicos e inevitavelmente sociais.
A justiça é daquele que compra o melhor advogado, que dita os prazos, que se esconde atrás de recursos sucessivos.
A justiça parece feita para prescrever…
Prescreva então:
- Protecção social
- Protecção para as mentiras dos políticos, para os seus enganos e El Dorados.
Mas não, o que a justiça prescreve são os crimes que ficam por punir. E anda nesta ciranda um país. Um país aldrabado e de aldrabões.
Depois, sempre que é preciso lá se faz mediático um caso, aqui e acolá, à medida das necessidades romanas da lei.
Os «Pretores» na Roma Antiga administravam a justiça em muitos casos. Os de hoje são políticos bem vestidos, «Armanis ao cagalhão», capazes de marcar a agenda à boa maneira Berlusconiana.
Pergunto-me até quando? Até quando é que vamos aturar passivamente este estado de coisas?
A justiça não é para todos. É para todos os oportunistas, todos os sacanas, todos os impostores, todos os vampiros que nos chupam.
É o reflexo de uma sociedade pouco instruída, inculta mesmo, e que encontra nas distracções parolas deste mundo o encanto para as suas vidas pobres.
Isto está bom é para o Carreira, para os dois que ganharam o euro milhões e não se entendem, para a primeira do primeiro que não se conhece.
O que está a dar como diz a malta é entrar na política, gamar o mais possível e dar um ar satisfeito de europeu.
Faça-se o TGV quando houver dinheiro, candidatemo-nos ao mundial sem a Espanha.
Para o ano metemos seis nas competições europeias e ainda dizem que não há justiça…
Há justiça. Há. Mas é só para alguns.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

O AMOR NÃO É PARA TODOS



Texto de : José Ilídio Torres
Fotografia: Tela de Ção Pitada

O Amor não é para todos e ainda bem. Seria uma tragédia se não fosse assim.
O Amor é para poetas, profetas e outros patetas. Distribuído sem critério. Não existe sem o seu oposto, o ódio, e vivem mesmo em conluio.
A expressão «quanto mais me bates mais eu gosto de ti», excluída a dimensão de poder por força da violência exercida por uma das partes, resume uma realidade que habita a casa de muitos.
Quem é que já não beijou apaixonadamente o outro depois de uma acalorada discussão, depois até de levar dois tabefes?
Quem é que não fez amor com mais intensidade, com mais paixão, depois de um empurrão contra a bancada da cozinha?
Não deve passar daqui o leitor que me acha capaz de promover ou defender atitudes machistas ou violentas, mas deve continuar a ler aquele que percebeu que não estou a colocar a tónica no género masculino, mas a generalizar perigosamente…
A mulher de hoje não é a mesma de ontem.
Parece-vos redundante a expressão?
A de hoje não come e cala. Bate ela própria. Mais não seja quando usa a sua maior arma: - A língua.
Uma mulher ferida no seu orgulho e dignidade é capaz de socar violentamente com esse órgão:
- Não preciso de ti para nada!
- Ganho que chegue para mim!
- Homens há muitos e mais enchapelados!
Logo depois chovem pontapés que misturam sogros, filhos, contas bancárias, profissionalismo no emprego!
A mulher de hoje não é a mesma de ontem, muito menos a de anteontem.
É uma mulher liberal, «cabra» em muita literatura, nua sem pudor.
Gosto dela assim.
A sua maior grandeza é mesmo amar, mas mulher que ama é uma bomba-relógio. Mais dia menos dia, ano menos ano, deflagra.
O homem de hoje ainda não se habituou a esta mulher. Acha que lhe continua a bastar sair para trabalhar, tirar os sapatos na sala quando chega, alçar a perna…
Acha suficiente uma ou duas sessões de sexo por semana, considerando-se um entendido na matéria, apesar de não ensaiar mais que duas posições na cama faz tempo.
Mulher que é amada assim é um perigo.
Um dia perde a consideração pelo animal embalsamado que faz a barba e larga pêlo no lavatório, que deixa as cuecas postais no chão da casa de banho.
Já houve casos de lâminas mutiladoras a rasgar o silêncio e o sono do cônjuge. Mas isso são casos raros. O mais comum mesmo, é que a mulher assim esquecida, vilipendiada, um dia aceite o convite do sorridente do escritório para sair, com a desculpa de trabalho até mais tarde, ou comece a falar em jantares disto e daquilo…
Normalmente, o que ficou em casa a ver a Sportv e a beber umas cervejas não se dá conta e, já diz o povo e com muita sabedoria, «é sempre o último a saber…».
Uma tragédia…
Mas dirá o leitor com muita razão, que há quem ame com sentido de partilha, de dedicação ao outro. Com a generosidade própria dos apaixonados…
Há! Costumam aparecer no programa da Fátima Lopes ou de outra esganiçada qualquer do celulóide, e no final, ficam rodeados de flores e filhos e netos, e beijinhos e lágrimas, do alto dos seus setenta anos de vida, bem dançadinhos e agarradinhos nos bailaricos dos Bandeirantes ou similares…
A homenagem que se lhes presta é a mais pimba que se lhes pode fazer. Ouvem-se os amigos, os conhecidos e os vizinhos, mais a filha da professora primária que já morreu a dizer que a sua mãe falava sempre muito bem deles.
É por isso que o amor não é para todos. Que o digam as prostitutas e os prostitutos deste mundo quando se apaixonam pelo seu cliente.
Que o digam os chulos, os pederastas, quando se perdem de amores pela sua protegida.
Que o digam uns poucos apatetados, uns quantos futuristas e alguns poetas libertários.
O amor é uma doença estranha e rara sem medicação subsidiada. Conhecem-se efeitos secundários, contra-indicações, mas apenas na sua prática.
A cura, encontre-a cada um.

sábado, 9 de abril de 2011

Visita à Escola Secundária de Barcelinhos




Foi com imenso prazer e emoção que estive na terra onde nasci a falar com alunos interessados e participativos. O meu abraço.

domingo, 3 de abril de 2011

O Sol quando nasce não é para todos…


Foto: Jorge Manuel Palha

A Terra, no seu movimento em torno do próprio eixo, é responsável para que isso não seja logo assim. Enquanto para alguns é dia, para outros é noite escura.
Mas se colocarmos de lado as causas astronómicas, já a afirmação anterior não é rigorosamente verdadeira, pois que muitos vivem na escuridão durante o próprio dia.
A esses eu chamo de «apagados»…
Nesta classe cabem, entre outros, todos os indivíduos cujo cérebro é anterior a Galileu e que, ainda hoje, pensam ser o centro do universo.
Dos mais conhecidos, os políticos. Um género de «apagados» que neste país vêm proliferando com inusitada adaptação.
E é estranho que as plantas e os seres vivos necessitem da luz solar para o seu crescimento e estes espécimes prescindam dela, multiplicando-se como coelhos fornicadores.
Pensam os eleitos que são irradiadores de luz própria, qual sol sobre a terra, expandindo a sua grandiosidade ao universo.
Tomam decisões em nome do povo cinzento, esbanjam o erário público como burgueses assolapados, impondo depois, quando os cofres estão vazios, sacrifícios aos contribuintes, quais xerifes do tempo de Robin dos Bosques.
E o pior é que na sua megalómana ambição por poder, julgam-se iluminados nas decisões, legitimados, honrados, divinos.
Vivem nas Lisboas usurpadoras, deslocam-se em topos de gama, são apaparicados por assessores lambe-botas. Comem nos Tavares, comem onde bem entendem, comem-nos por lorpas.
E anda a malta preocupada em tirar esta «corja» do poder para lá meter outra igual?
Não está só na política mas espalhada em todos os sectores da vida portuguesa. Da economia à cultura.
A «corja» veste Armani, veste Armando.
Estou em crer que falta luz a este povo, mesmo que não lhe faltem EDP´s e Ren’s e contas e contas e contas…
A longa noite da ditadura parece eterna.
Falta-lhe uma luz que não é solar mas interior, falta-lhe consciência disso, falta-lhe horizontes para além dos horizontes da sua janela.
Essa luz só pode resultar do conhecimento, da literacia, da educação plena. Só assim se conseguirá promover o espírito crítico, a mudança.
No último dia 12 de Março, apesar das nuvens, fez-se sol sobre Lisboa. Um sol nascido faz tempo para quantos se reuniram na Avenida da Liberdade.
Um sol que vem de acreditar, de desejar um Portugal melhor. Um sol farto.
Farto de políticos, farto de patrões malandros e malandros patrões, farto dos «chicos-espertos» que estão por todo o lado. Mesmo na cabeça do meu colega de letras e ilustre comentador, que também come no Tavares e tem Tavares no nome.
Precisava o ilustre romancista de saber daqueles que vivem na utopia, de lhes conhecer o suor e o esforço. Dos que lutam pela afirmação artística num país de artistas instalados.
Mas não, sua Excelência, enquanto bom «opinante», está demasiado ocupado a ver o Sol raiar no umbigo de Copacabana.
No último dia 12 de Março, apesar das nuvens, apesar da escuridão… no Porto, em Braga, em Coimbra, em qualquer lugar deste país onde se partilhasse esperança, fosse até na mais recôndita aldeia de dois habitantes, discutiu-se Portugal.
Eu não esqueço a Luz desse dia. Estava em Lisboa, bem perto dos acontecimentos, a dizer poemas num auditório para alguns, poucos, amigos e escritores.
Diz quem assistiu, que eu tinha os olhos brilhantes, mas o que eu tinha mesmo era a certeza do caminho pois, como diz Bach, «Aqueles que não amam a mudança não são, no fundo, verdadeiros visitantes da Terra».
Por isso o Sol quando nasce não é para todos, é só para quem o consegue alcançar…

segunda-feira, 21 de março de 2011

FOTOS DE ÚLTIMOS EVENTOS



Feira do Livro da C+S de Manhente - Barcelos



12 de Março em Lisboa

domingo, 6 de março de 2011

Dia 12 de Março em Lisboa



Viajo com os meus poemas até Lisboa, onde tenho amigos e alguns seguidores. Prometo a alma a quem me visitar. Só isso.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Carta ao Carmelo na hora do seu funeral



Foto Jorge Palha «A queda de Ícaro»


Meu amigo, o Zé Lourenço disse-me ontem que só nos resta uma coisa depois da tua morte, que é atirarmo-nos dos prédios para cima.
E sabes que ele tem razão. Não nos resta outra alternativa que não seja lançarmo-nos dos quintos andares do nosso descontentamento para o céu. E revolucioná-lo se preciso for, e questionar Deus.
Ontem fiquei triste como se me tivesse caído um anjo em cima. Aquele que me acompanhou o tempo todo. Aquele com quem falava. O que me ensinou a voar.
Hoje trago as costas doridas do peso de carregar o seu cadáver nos ombros, mas tu, nesta hora em que te rezam missa, deves pairar sobre todos os teus amigos com aquele teu sorriso dado, que era uma espécie de abraço que nos envolvia.
Tenho receio de já não saber nomear as palavras, de me fugirem os significados, de os verbos me assassinarem repetidamente durante as noites de insónia.
Tenho medo dos que não sabem escutar o silêncio, dos que não conseguem já ouvir os pássaros, que a merda da super-bock esgote numa crise de valores sem precedentes.
Tenho medo destes políticos, dos consultores da palermice urbana, dos vendidos, dos tecnocratas, dos pastores de todas as igrejas.
Tenho medo.
Mas tu, tu não tinhas medo de nada, sequer que o céu te caísse em cima, por isso desafiaste as leis, ensaiaste o voo e voaste.
Que cada um saiba escutar as tuas últimas palavras como se fossem as primeiras de uma nova ordem.
E as crianças, conscientemente, coloquem flores a um anjo amigo que as proteja nos seus sonhos, e que esse anjo tenha uma barriga como a tua, um ar de quem sabe o que vem depois, e isso seja uma coisa redonda como o mundo.
Não fui ao teu funeral, que deve estar prestes a sair. Pensei que ao escrever-te esta carta estaria mais perto de ti, e assim não precisaria de reprimir as lágrimas, que sei, não gostarias que largasse neste dia chuvoso.
Choro-as agora em palavras que desato aos molhos, à espera que me visites sempre que te apetecer, e tenha o poema a mesmo som dos sinos, ribombando em cada um de nós.
São três e meia da tarde e nada será como dantes.

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A arte não é para todos *


Foto: Google

* Crónica a editar no jornal que me acolhe, me premeia pelos seus leitores, e no qual sempre encontrei amizade, sensibilidade e empenho na mesma luta comum.


Crónica

A ARTE NÂO É PARA TODOS


Quem pensa que a arte é para todos está redondamente enganado. Tão enganado como aqueles que acreditam que o senhor Cavaco vai ser o presidente de todos os portugueses nos próximos anos. Nunca o foi, e a arte também não.
Se eu dissesse que não posso com este país, não mentiria, da mesma forma que isso não beliscaria o amor que lhe tenho, o orgulho que sinto em ser português. Todavia, enquanto criador, sinto na pele todas as agruras de um país sempre adiado. Parolo. Não encontro melhor termo para o definir.
Um país mesquinho, acovardado. Um país de adágios, de lengalengas, de provérbios.
Um país que desbarata sistematicamente a oportunidade de se afirmar entre os pares, que desaproveita a sua vocação atlântica, a sua história rica.
Não a história dos monarcas, dos senhores, mas a história de uma alma marinheira, que tinha o homem no mar e uma casa em terra. Uma horta, uma vaca, um cão.
Tomaram os políticos conta do estado da nação, mas não se responsabilizaram por ela. Numa covardia cacique que dá de comer a uma corja, muita dela assolapada em redor da eterna capital do império, que já ruiu faz tempos.
Na arte igual, pese embora o facto de muito daquilo que acontece em termos culturais, se ter descentralizado.
Não porque as políticas a isso conduziram de forma decidida, mas porque os artistas têm fome de afirmação, querem passar a mensagem de um Portugal novo.
Mas quais artistas?
Os da lisboa cosmopolita, virada para o seu umbigo, ou os da paisagem, que teimam em pintá-la com novas cores?
Os outros, digo eu. Os novos artesãos de um futuro sem fronteiras, que teimosamente lutam contra o preconceito, a hipocrisia instalada.
O problema é o eco mediático, que consagra alguns, e deixa os restantes criadores com valor à mercê do acaso.
Vive este país noveleiro de uma televisão com câmaras instaladas no Rossio, que é uma espécie de Fortaleza ou Baía.
Interessam ao povo muito mais as cenas do próximo capítulo, que a identidade perdida dia após dia. E ninguém parece dar-se conta disso.
Por outro lado, entrou a internet decidida nas casas dos portugueses. Mais não seja porque lhes foi imposta através dos filhos que já não são seus. São do sistema, e têm todos o apelido Magalhães.
Entrou para o pai, a mãe, para o avô e a avó até. Que coisa linda!
De repente, todos escrevem em sites pseudo-literários, todos têm perfil nas redes sociais, todos querem editar um dia um livro, fazer uma exposição de pintura na sede da junta, quiçá até nos paços do concelho.
Não há maior perversão que isso. Porque aquilo que acontece sistematicamente é a vulgaridade, a mesquinha percepção das coisas.
A homenagem a este e aquele, a poesia de meia tigela, o canto esganiçado, o quadro de merda.
Isto é o pior que podia acontecer a um país parolo. Sentir-se burguês apesar da crise, e pensar que a arte é para todos.
Experimentem dizer isto num qualquer site de partilha literária, digam-no sem rodeios. A experiência pode vir a ser avassaladora. Já tenho a minha parte.
- Quem é que você pensa que é?
- Lá por ser licenciado...
- Olhe que eu não estudei, mas tenho os meus escritos registados na Sociedade Portuguesa de Autores.
- Já escrevi vários fadinhos...
Não me lixem!
Escrevam cartas ao Director deste jornal a dizer que sou xenófobo, que não posso com o Benfica, que tenha a mania disto e daquilo, mas não façam de mim parvo, muito menos burro:
- A arte não é para todos, é para qualquer um que a sinta: sem credo, preconceito, idealogia. Sem Lisboas mediatizadas, sem as elites gays, sem as maçonarias editoriais, sem as máfias sociais.
A arte é a arte, triunfa sempre.
A porra é o tempo que demora.

domingo, 23 de janeiro de 2011

Nem sapos nem.



Imagem google: «sapo-bufo-calamita»


Nem sapos nem


Achava os sapos demasiadamente gordos e viscosos para os engolir.
Tentou uma vez uma cobra, mas a safada conseguiu penetrar até à uretra, mostrar a sua língua viperina.
Pegou-a por um rabo de fora.
Achava alguns homens como sapos. Custava-lhe engoli-los. Não porque coisa nenhuma, por serem demasiadamente gordos e viscosos.
Tentou uma vez uma mulher que não fosse um rabo de saias. Falou-lhe de uma cobra, bem capaz de engolir um sapo.
Veio o homem que não sabia o que fazia ali.
Trazia ao pescoço uma cobra que tinha engolido um homem, um sapo, uma uretra, uma mulher.
Sentou-se muito sossegado num sonho, acendeu um cigarro, e explodiu.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Nunca mais


Foto: João Luz*


Não se consegue escrever sobre o amor quando se ama. Tentar fazê-lo é falhar.
O amor é verdadeiro enquanto coisa dizível somente na ausência, na perda.
Poema que fale de amor experimentado é redutor, porque o amor vivido não precisa de poemas que o digam. É.


Nunca mais

Nunca mais te verei sorrir, já decidi

Nunca mais te esperarei

Faltarei a todos os encontros que te prometi



Nunca mais o beijo

Nunca mais o afago

Sequer o ensejo de um braço-dado



Nunca mais a rua sem fim

Uma promessa de filhos

Dois anjos e um arlequim



Nunca mais o calor do teu corpo

O suor apertado dos espartilhos

Um tempo de amor num tempo morto



Só esta vontade de rasgar o peito

De não ter rumo, nem sorte

E ser o amor tão imperfeito como a morte




* João luz é meu amigo e colega. Um excelente fotógrafo e artista.
É responsável pelas fotografias de capa dos meus livros:
«Contos de Água e Areia» - 2008
«Os poemas não se servem frios» - 2010

domingo, 2 de janeiro de 2011

Sou bem capaz de matar


Foto: google


Sou bem capaz de matar
Sou um serial killer banal
Cometo crimes de faca e alguidar
E ninguém me leva a mal

Já matei um presidente
Já matei um deputado
De um ainda tenho um dente
Do outro um tostão furado

Enforquei a minha sogra
Degolei um assalariado
Um país que sempre demora
E um padre remunerado

Vi olhos rogando misericórdia
deu-me gozo circuncizá-los
Focei como um porco na mixórdia
Deixei as feridas ganharem calos

Já matei um otário, um Papa
Já matei o maior vigário
Um tipo dissimulado e à socapa
Que me queria vender o Sudário

Eu matei o próprio Cristo
E trago Judas tatuado nos braços
No coração uma espécie de quisto
E nos dedos a procissão dos passos

E tudo isto porque escrevo
porque sou devasso e livre
Porque mato até o medo
e tudo aquilo que nunca tive

O meu destino é de sangue
Tenho atrás de mim um rastro
Madalenas que me deixam exangue
E tudo aquilo com que me basto

Por isso o meu poema é de morte
Um rasgo cirurgico no peito
Um eterno tentar da sorte
Neste amor mórbido do leito

Quando me leres, benze-te
Três vezes antes de me amares
O que sou em verdade, pertence-te
Pensa bem antes de me matares

sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Não vai haver passagem de ano


Foto do Google

Não vai haver passagem de ano. Foi gamada por um duende.
Cinderela já disse estar disposta a alargar a coisa dez minutitos depois da meia noite, porque a madastra que ainda não foi desmascarada, tem em casa um problema com ratos que se transformaram em cavalos.
Peter Pan ficou de jantar com sininho, mas vai ter que correr atrás do bem.
Tomara que sininho encontre um badalo para dá-lo.
E que o tempo se atrase. Até que o cabrão do duende mental que fugiu com a meia noite seja apanhado com a boca na botija.
O Scrooge do Dickens não é para aqui chamado que já foi Natal e já teve a sua oportunidade de ser bonzinho.
O Super-Homem caiu abaixo de um cavalo que fazia parte de um problema de ratos da madastra da Cinderela, presumo que não será de grande utilidade.
- Podia chamar-se o Chaplin e ele fazia um número divertido enquanto o duende não era apanhado.
- Ou o Luís de Matos, e ele fazia-o aparecer num elefante em lingerie...
Lembrei-me agora: - E se a malta chamasse o Xavier Zarco, ele trazia a cervejola, os diplomas e os prémios todos que tem lá em casa naquela salinha simpática, e pregava uma seca enorme à malta, até esquecermos da meia noite que foi gamada pelo duende?
Também se podia mandar vir umas pizzas. Daquelas grandes. Familiares.
E desejar que elas ganhassem vida, e que corressem muito, e que quando o duende que gamou a meia noite desse por ela, elas estavam a entrar-lhe pelo cu acima.
A ver se gostava!
Ninguém gama a meia noite, frustra a ideia romântica de um ano novo e se fica a rir.
A não ser que goste.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Por não te amar assim perdidamente


Foto: João Luz


Por não te amar assim perdidamente
Uns dedos não se entrelaçaram
Não se abraçaram com os campos da tua janela
No quarto crescente de nós

Um beijo não foi dado
Um sorriso não se partilhou
uma peça de teatro não aconteceu
Um jantar a dois não se combinou

Por não te amar assim perdidamente
Houve um poema que não se fez
Um tempo que nunca nos pertenceu
Uma vez como a primeira vez:

O vento a afagar-te os cabelos
O ar impregnado do teu cheiro
O chão a abrir-se nos teus passos

Por não te amar assim perdidamente
Deixei todos os romances a meio
Nunca desatei os nós e os laços
Fiquei perdido no seio dos enredos

Mereço que as palavras me abandonem
Que os meus dedos sejam só os dedos
E depois não saiba dizer-te urgente

Na verdade do poeta a ilusão do homem
Por não te amar assim perdidamente

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Há «Momentus»...

Noite excelente de partilha. Participação animada da plateia...Não posso pedir mais.
Escrevo como quem constrói uma casa. Tijolo a tijolo.
Fiquem com algumas fotos deste momento e apareçam sempre.
Um abraço ao Nelson e esposa, aos clientes do Momentus, numa cidade que fervilha: Guimarães.
Em 2012 respirar-se-á cultura nesta capital europeia.
Estarei por lá. garanto-vos.




domingo, 12 de dezembro de 2010

Onde o poeta punha o pé nasciam rosas



«Onde o Santo punha o pé nasciam rosas, e o povo lamentava que não fizesse o mesmo com batatas.»
Joaquim Namorado


Onde o poeta punha o pé nasciam rosas. Bouquets delas, finas e chorosas. O mundo era um imenso jardim florido.
Nem sombra de maldade, só um sol radioso que as fazia crescerem viçosas, dadas.
As criancinhas, com seus pés descalços e delicados, calcavam-nas sem se picarem, mas logo o poeta vinha atrás e consertava tudo com versinhos dedicados, distribuindo beijinhos e abraços às musas.
Tanta felicidade, tanto bem querer, tanta amizade para espalhar, que até os pobrezinhos, tão descalços como as criancinhas, em suas vestes de serapilheira, estendiam regaços à caridade literária, beijavam a mão ao poeta, gratos.
A guerra já não se fazia, não havia atentados à norma. Sonetos, sonetos.
Felicidade assim não tinha preço. Tinha sido uma conquista aos hereges, aos malditos que ensombravam a terra, feita à custa de armas sim, de muito sangue derramado, mas valera a pena.
Já ninguém ousava escrever palavras que depois de plantadas não abrissem em flor, já ninguém tinha dúvida de que o único tema possível em poesia era o amor. De que a amizade era cousa mui bela.
Casavam-se os poetas e as poetisas em cerimónias deslumbrantes. Eles de fraque, elas de véu e grinalda, e as criancinhas, descalcinhas e delicadas, sem se picarem nas rosinhas, segurando o longo manto.
Batiam-se palmas à passagem do cortejo nupcial. As musas à janela, donzelas e castas, mais suas mães de farta bigodaça, repousando os generosos seios nas colchas.
Que bom que era viver num mundo assim perfeito. Os velhinhos acarinhados, mesmo os que já haviam atingido a senilidade e a estupidez.
E as criancinhas, as criancinhas, não eram o futuro de coisa nenhuma. A elas, neste mundo a rebentar pelas costuras de fraternidade, de bonomia, de intensa solidariedade, restava-lhes somente o papel de calcarem as rosinhas, descalcinhas e delicadas, vindo o poeta atrás consertar tudo com versinhos dedicados.

sábado, 11 de dezembro de 2010


Foto: Margarete

Ando por aí a dizer os meus poemas com uma cantora formidável, uma amiga que ganhei no dia em que a conheci: Ção Pitada.
Um nome simples para uma mulher de um talento e generosidade sem igual.
Ontem a noite fez-se de palavras, de afectos, de risos.
Assim é a poesia e falta-me dizer tudo.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

José Ilídio Torres e Ção Pitada apresentam:





Dia 10 de Dezembro, sexta feira, no Momentus Bar em Guimarães, espectáculo intimista, onde a música portuguesa aparece ligada às palavras do autor de «Os poemas não se servem frios».
Reedição de um formato experimentado com sucesso no Arte&Gourmet, e com várias sessões agendadas a partir de Janeiro.
Uma boa maneira de acabar o ano. Apareça.

22,00 Horas

O Momentus fica:

Rua Santa Maria, 38-centro histórico, Guimarães, Portugal
Junto ao Largo da Oliveira

domingo, 5 de dezembro de 2010

O homem que tombou no túmulo de um livro



Nota: Escrevi este texto em 2008, a partir de uma sugestão de Sandra Fonseca, num dia em que estava a escrever compulsivamente e me bastava um título ou uma ideia para o fazer.
Hoje redescobri-o e lembrei-me desta amiga, que foi fundamental em 2009, enquanto minha confidente, durante a escrita de «Diário de Maria Cura», romance que editei nesse ano pela Temas Originais.



Um homem sai de casa numa manhã de nevoeiro sem saber para onde ir. Perdeu o emprego logo depois de encontrar a mulher com o patrão, que também era o seu.
Perdeu até o cão, que gostava mais das festas do seu chefe.
Parecia-lhe tudo azedo naquela manhã, até o café, por mais açúcar que lhe deitasse.
Sem saber que rumo tomar na sua vida, de mala na mão, que os tempos da grande cidade eram outros, deambulou pelas ruas até os olhos lhe doerem nos pés.
Da relação passada não trouxera mais que um livro, cuidadosamente amparado por folhas de jornal amarrotadas, numa volumosa mala.
A mesma que sua mãe lhe dera de enxoval para casar com a rapariga da cidade que não lhe largava o pescoço, sempre manchado de um baton de terceira categoria.
Na aldeia foi uma escandaleira, quando a rapariga que conheceu no escritório, apareceu de mini saia tão curta que todos tinham que olhar para cima, feita de um andar rebolado que fez babar meio tasco do Jeremias, e o fez vender mais de um garrafão no resto do dia.
Mesmo assim casaram-se. Eles os dois e o padrinho numa escapadela.
Agora não lhe restava nada, nem mesmo as memórias do passado, que até com as fotografias ela tinha ficado….
Apesar da profunda tristeza, guardava numa mala que não largava por um minuto, o seu maior tesouro: um livro.
Um livro que tomou em mãos quando chegou a uma espécie de prado verdejante, bem longe do ruído dos carros, do ar poluído da selva urbana.
Acariciou-lhe a capa, que encostou com ternura à face, fazendo um esforço para não chorar lágrimas que a molhassem.
Abriu-o na última página e começou a caminhar enquanto lia, deixando para trás a mala de toda uma vida, carregada de vazio.
Absorto pela leitura, já entrado no último parágrafo, no exacto momento em que olhava o ponto final que terminava o livro, tombou dentro de um túmulo aberto para receber um homem, naqueles cemitérios à americana que agora se fazem.
Quando o encontraram, repousava tranquilo, de mãos cruzadas no peito de um livro, a cujo título o coveiro haveria de afastar o pó:
“A Ponte para a eternidade”

domingo, 28 de novembro de 2010

Mandei dizer que te amava pelos gatos do beiral




Foto: João Luz
«Meu gato morto olha para mim do além...»



Sabes, ainda pensei escrever-te uma carta

Enviar-te um ramo de prosas que me nascem nos

dedos

Ou simplesmente fruta do quintal

Mas tive receio que não compreendesses o Braille

dos meus degredos

A forma crua como faço música com as lágrimas

Nos acordes despidos dos vinhedos



Ainda pensei se não seria o caso de te falar

pelos ramos das árvores

Pelo Às das suas copas

Se não estaríamos no tempo de fazer regressar as

tropas



Mas depois, quando lavrei a terra que se juntara

em volta do meu coração

Senti que me faltava a semente do teu beijo

E sabes que eu sempre te sonhei pela boca, fio de

água



Germina então comigo neste inverno, mão na mão

Tudo aquilo que sempre nos faltou afinal

Agasalha-te neste relento, neste desejo, nesta

frágua

Que já mandei dizer que te amava pelos gatos do beiral

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Amamo-nos como búzios



Foto: João Luz
«Looking into the water eye.»

O silêncio foi de repente interrompido pelo bater de asas de uma mariposa. Um beijo rolou da boca, tombou no chão.
Não restava mais ninguém dentro de nós. Saíram todos.
Fico por um momento a pensar de como te falar das guerras, mas a boca encontra finalmente a boca, a mariposa morre de tão efémera.
Ninguém sabe, ou sequer imagina, de como somos tão sós.
Ontem , por exemplo, não te vi a florir na praça, e o vento, esse parecia um louco à procura de ti.
Não reparaste acaso no sopro que te dirigi? Fi-lo em gaivotas tontas, confundidas entre a tempestade e o amor.
E as mãos, que fazemos das mãos?
Já sei, afagamo-nos como búzios e ficamos tristes à beira mar.

domingo, 21 de novembro de 2010

O preservativo. Solução milagrosa



Cartoon de António

Bento XVI acaba de "autorizar" o uso do preservativo em casos pontuais, casos sobre os quais ainda não estou perfeitamente elucidado, mas que presumo se reportem a doentes infectados, ou a individuos que se apresentem notoriamente incapazes de usar o cérebro...
Dirão os mais esclarecidos que a medida representa uma revolução no pensamento cristão, desde sempre agarrado ao sexo reprodutivo, chutando para o plano do pecado todo o comportamento impróprio, dentro ou fora do casamento.
Sobre esta coisa do sexo com o fim único da reprodução, teve a grande Natália Correia discurso na Assembleia da República que entrou para os "anais" do bem dizer, estendendo ao comprido a falsa moralidade reinante.
Realmente, devemos ser muito agradecidos à Igreja por ter estado sempre um passo atrás no desenvolvimento do pensamento e das sociedades. De ter queimado na fogueira grandes pensadores, cientistas. Homens fora do seu tempo, dirão vocês, homens castrados à força, direi eu.
Devemos agradecer-lhe a forma determinada com que evangelizou, como sempre se aliou ao poder dominante, mesmo apregoando um outro reinado. A forma como sempre retirou ao homem a capacidade de aspirar a um novo dia, mesmo que a fraternidade e a igualdade pregadas, tivessem por perfil um Deus entre a bonomia e a vingança, e apesar disso.
Uma igreja de cariz social a de hoje, é aquilo que se exige. Mesmo que remende as perversões do sistema numa sopa dos pobres. Mas que o faça.
Que mostre o seu lado solidário e caritativo, e venda se preciso for o fausto que a caracteriza. Que seja uma igreja despojada se necessário, mas que esteja do lado do homem e não um passo atrás.
Que se diga presente nestes tempos de esvaziamento ideológico que caracteriza as sociedades ocidentais, que ampare, que guie, mas por forma a contribuir para um discurso humanista, de elevação do homem, e de uma verdadeira moralidade.
Tal desiderato só será possível se as fundações desse trabalho árduo tiverem por matéria prima a necessária compreensão dos problemas de cada momento, de cada época, e seja esse o desafio.
É por isso que esta nova liturgia do preservativo peca por tardia, tem demasiadas mortes nas costas, demasiados filhos largados. Está prenhe de um contínuo alheamento das questões fundamentais, de uma falsa moralidade que a corrompe no seu cerne.
Os escândalos sexuais repetem-se na Igreja, tradicionalmente capaz de se fechar sobre si mesma, abafando as repercurssões sociais dos seus pecadilhos. Porém, todos os dias os jornais fazem parangongas com a pedofilia dos seus padres, todos os dias esta igreja parece afundar-se na sua própria e específica moralidade.
Será por isso que Bento XVI, um Papa apelidado de conservador e austero, mas que parece a cada dia descobrir virtudes no seu antecessor, se mostra insuspeitamente aberto, informal e sorridente?
Se João Paulo II foi caricaturado pelo grande António com um preservativo no nariz, Bento XVI, deveria sê-lo calçando-os nas duas mãos, pois tem nelas o peso de um recém-nascido, e a necessidade de ser parteiro de um novo advento.
Ao homem do seu tempo, não resta afinal que estar um passo à frente dele, e assim, nestes tempos perversos de democracia, saber sempre o que o espera, numa espécie de desencanto auto-preservativo.
Nunca os poetas foram tão verdadeiros, nunca o amor tão urgente.


É engraçado como um simples preservativo, no fundo, me fez desviar tanto do objectivo desta crónica. Coisa simples de usar, que afinal basta enfiar na cabeça.

Vou suicidar-me no primeiro raio de sol



Foto: João Luz


Vou suicidar-me no primeiro raio de sol. Já testamentei os meus parcos haveres: todo o sal do mar e as sereias pornográficas que copulam com o vento norte. Uma gaivota de crude.
Já me despedi de quem gosto: poetas sem lei, que vivem para além da morte, ledos.
Dei carta de alforria às prostitutas que trabalhavam nas esquinas dos meus olhos, encerrei os bordéis sujos nos meus dedos.
Promovi os pedintes a monarcas, fiz dos enjeitados nobres patriarcas.
Deixei dito que mais nenhuma criança cresceria antes do tempo, que a única lei vigente passaria a ser a da brincadeira e dos afectos.
Que o poema fosse a única matéria leccionada nas escolas, sítios amplos sem portas, janelas ou tectos.
Assinei papéis doando os meus orgãos: o fígado para ser transplantado num homem são, mas azedo e sem coração.
Os pulmões experimentados num réptil, os meus rins enxertados em árvores de fruto.
Paguei adiantado às carpideiras com o dinheiro sujo que ganhei amamentando o sistema, mesmo não tendo tetas, pregador de certezas, pastor crente de um rebanho de petas.
Espero que chorem, esperneiem, larguem baba e ranho por mim, e no final das exéquias se sirvam canapés, se leiam poetas malditos e o vinho esgote.
Para onde vou não preciso de memória, a palavra saudade deixará de fazer sentido, o próprio verso, mote.
Vou suicidar-me no primeiro raio de sol. Espero que me trespasse de luz o coração.

sábado, 20 de novembro de 2010

Quando não me apetece escrever a ponta de um corno


Foto: João Luz

Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou gazela devorada pelo apetite voraz da fera, sou a fêmea com os lábios borratados de sangue, caçando por mim.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou o pássaro que morreu de fome numa gaiola, a mão que se esqueceu do gesto.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou um mundo bárbaro, um sorriso por andaimes, uma escalada de morte, a guerra.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, explodem aviões por minha culpa, Deus é apenas uma ideia guardada num frasco. Caem torres gêmeas por afinidade.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, as criancinhas violadas são expostas em montras, os pedófilos crucificados em praças.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, as certezas são perversas mentiras, o amor uma espécie de prostituição.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, uma assembleia é uma reunião de bandidos, uma República uma burguesia descarada.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, sou abutre recolhendo as letras que sobraram da carcaça, uma labuta de morte pelo derradeiro pedaço.
Quando não me apetece escrever a ponta de um corno, descubro um vibrador na alma, um coito interrompido no mundo, e definho masturbando-me.

domingo, 14 de novembro de 2010

Há em cada artista um filho indesejado de Deus



Foto: joão Luz «Shadow and reflection on clean water»


Há em cada artista um filho indesejado de Deus. O tempo não passa de um miserável embuste. Mulheres de ancas largas, divinas putas do criador, parindo os minutos que têm as horas, que têm os dias.
Há em cada homem fora do seu tempo, um filho sem pai, um enjeitado colocado numa roda, um fruto indevido do acaso.
Se pela arte se pode atingir Deus, e se assim o dizem, eu espero que alguém já tenha sido capaz, por obra feita, de o socar no rosto e de lhe partir dois dentes.
Rais parta o tempo que demora cada homem a encontrar a liberdade, neste sexo demorado com o cosmos.
Rais parta a bonomia com que se encara a guerra, os perversos movimentos da economia. Rais parta o conformado, o temente.
Há em cada artista um filho indesejado de Deus, um salteador do tempo, mesmo que a paga seja esta quase solidão, e invariavelmente a morte.
Há, quero crer, em cada homem um Deus, capaz de amar incondicionalmente a puta que o pariu: Mãe terra de ancas largas.
Escrever como quem morde, e morrer, morrer em cada fracção de tempo, numa ressureição permanente dos sentidos, subtraindo segundos à eternidade.
Como um rapaz de fisga disposto a matar.

domingo, 7 de novembro de 2010

«Os poemas não se servem frios» no Arte & Gourmet









Estive no passado dia 4 de Novembro, a convite do Arte & Gourmet, com a minha amiga e cantora Ção Pitada, a fazer uma performance poetica neste espaço, promovendo tambem o meu mais recente livro de poemas.
Sala cheia de gente das artes, da sociedade e da cultura vimaranenses, e um prazer interagir com todos.
Renovo os meus agradecimentos ao Delfim pelo convite.

Todas as fotos aqui:
http://www.facebook.com/home.php?#!/album.php?aid=34501&id=100000691407872

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Do meu último livro «Os poemas não se servem frios» - A minha morada é a palavra



Há um vazio dentro de mim
Feito daquilo que ainda não aconteceu
E habita neste ventre de gestação o poema

Tem braços de mar
É corpo sem terra para atracar
É sonho, fantasia
Luz forte de cada dia

E são de mármore os silêncios aqui
Nesta planície onde crio raízes etéreas
Onde construo castelos sem fortaleza
Onde me conjugo em cada ânsia
Em cada incerteza

De homem tenho tudo
Mas sou assexuado no que quer que diga
Sou carreiro, sou distância e formiga

E não estou sozinho na solidão de te pensar
De te dizer, de te amar
Não estou sozinho por estar

A minha morada é a palavra
Nela me expando para além do que vejo
Do que sinto
Nas verdades que digo quando minto

Se a um poeta se perdoa esta sorte
Viva então em mim o poema para além da morte