quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Não posso com o Benfica



José Ilídio Torres escreve semanalmente no Jornal Barcelos Popular «Não posso com...»
Edição de 16/09/2010


Eu não posso com o Benfica, e nem coloco em questão a antiguidade do clube e os valores que o fundaram. Eu nunca poderia ser de um clube que foi o do regime durante décadas e deve parte do seu crescimento a essa associação.
Eu nunca poderia ser de um clube no seio do qual se generalizou a máxima “ Quem não é do Benfica não é bom chefe de família”, até porque a expressão “chefe de família” é também ela de cariz opressor, e tomando por consideração uma outra que diz que “Portugal é Lisboa e o resto é paisagem”, eu nunca poderia ser de um clube afastado das minhas raízes, mesmo que este se dissesse uma nação. Preferiria sempre a paisagem.
Depois, “Fado, Fátima e Futebol” não me servem enquanto homem vertical, na herança de quantos o foram antes de mim, fora de um contexto meramente biológico, numa linha de cultura, que não precisa da Amália para gostar do fado, de Fátima para ser cristão, do Eusébio para gostar de futebol.
Por isso é que eu não posso com o Benfica.
Também nunca me identifiquei com uma pretensa massa de gente que fala em milhões de iguais como se isso fosse sinónimo de força. Prefiro as imensas minorias. Aquelas que lutam por ideais que os outros não conseguem ver.
Pelas mesmas razões de que inúmeras vezes a verdade está naquilo que ainda não problematizamos, ainda não questionamos, prefiro descobrir simbolismos nos clubes esquecidos da periferia, nas suas sedes em bloco, no cheiro a bacalhau frito degustado com tinto, que pensar numa águia ensinada pairando sobre as cabeças dos amorfos, como se fosse a Fénix renascida das saudosas vitórias do Império.
A não filiação em qualquer corrente, a liberdade de poder enquanto criador assumir as minhas obras, não me deixa ser do Benfica pela razão óbvia de que se fosse pintor abusaria do vermelho, se fosse escultor da águia, se fosse escritor… da paciência de quem me lê.
Eu não posso com o Benfica porque um bom desportista não tem clube, nem se filia. Gere emoções e simpatias e luta pela vitória como forma de superação individual ou colectiva, na busca incessante da perfeição.
Eu nunca poderia ser de um clube que movimenta milhões e deve outros tantos. Que paga salários astronómicos, compra, vende e despede. Chame-se ele Benfica ou tenha ele outro nome qualquer.
Porque o futebol actual desvirtua de forma gritante o desporto. Porque a política se mistura nele como prostituta. Porque as verbas movimentadas são promotoras de negócios escusos. Porque é promotor de desigualdades. Porque goza com milhares de criadores geniais que não vêem o seu talento reconhecido, eu nunca poderia ser do Sport Lisboa e Benfica, mesmo sendo o orgulho de seis milhões, e por causa disso.
Mas, no fundo, no fundo, eu até nem desgosto do Benfica, eu não posso mesmo é com o meu país!

José Ilídio Torres

Sem comentários:

Enviar um comentário