terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Espantalho


Foto do Google


Poeta de trapos cosido com remendos

É feito de farrapos e outros contratempos



Espantalho quase vertical girando aos ventos

Vive no meu jardim, um assim com um senão

A ninguém mete medo, poisam pássaros na sua mão



Poeta de trapos cosido com remendos

É feito de farrapos e outros contratempos



Se alguém me visita logo exclama:

- Ai que lindo palhaço você tem aqui

E o meu amigo nem sequer reclama

E eu faço de conta que não vivo ali



Poeta de trapos cosido com remendos

É feito de farrapos e outros contratempos



Há dias recitei-lhe um poema que escrevi

Falava de um certo espantalho quase feliz

A viver no meu jardim com um senão



Contava que fui sempre ele enquanto senti

Que na desdita e na ilusão me fiz

E as palavras poisavam na minha mão



Poeta de trapos cosido com remendos

É feito de farrapos e outros contratempos



Mas sabe a direcção dos ventos

Mas sabe a direcção dos ventos

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Menino da Terra


Foto de António Jorge Fernandes


Menino da guerra, hoje não matarás. Combato eu por ti.

Quero muito que te sentes na minha mesa, que comas até te fartares. Que te lambuzes de doces e sumos, que eu farei por ti a guerra, meu menino da Terra.

Hoje, nesta noite mágica de Natal, serei eu o violado, não tenhas por isso receio dos abraços, nem dos beijos, sequer dos afagos. Os Reis serão Magos.

Não te assustes quando as luzes momentaneamente se apagarem, e no escuro da sala só o fogo da lareira brilhar, que amanhã ninguém te vai queimar ou escravizar. Trabalharei por ti de sol a sol, darei as costas ao chicote daquele que se pensa forte.

Por isso desembrulha os teus medos junto a esta árvore de Natal, brinca com os meus filhos a sorrir, que hoje, hoje não precisas de fugir.

Refugiar-me-ei por ti numa tenda rota de balas, num campo de concentração farpado, mas tu, meu menino da terra, hoje vais ser amado.

Não te preocupes comigo, tenho dentro do peito tudo o que preciso. Uma arma que se chama texto e que dispararei por ti.

Mas hoje, meu menino da Terra, nem que seja só por um dia, serás igual àquele que está no céu e eu, eu desejarei que seja sempre Natal.


Nota: Desejo um Feliz Natal a todos os meus leitores e seguidores deste blogue.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Se não te apetecer escrever fica quieto - Dito por Hélder Magalhães (Moreno)


Se não te apetecer escrever fica quieto.
Mete um dedo na alma para veres se tem ovo. Se não tiver, acocora-te na mesma. Podes sempre expiar a culpa baseado no tamanho do cérebro.
Se não te apetecer escrever fica quieto, respira se for necessário. Senão for, deixa-te levar pela apneia de não pensares sequer nisso. Repousa redondo como o ovo que não havia.
Se não te apetecer escrever, não escrevas, fica quieto até que as estátuas se revoltem nas praças, os paralíticos recusem milagres para andarem, os cegos vejam o que nunca quiseram ver. Os surdos ouçam em dor.
Fica quieto!
Se não te apetecer escrever deixa-te ganhar musgo. Até ninguém te invejar. Depois, baseado em factos parcelares, constrói um universo de fósforos e pega-lhe fogo.
Vês o poema lá ao longe, cada vez mais perto?
Acena-lhe.
Mete o dedo onde quiseres. Iça uma bandeira por descargo de consciência, mas se te sobrar pano, mete as mãos no texto.
Afaga-o, envolve-o, derramo-o, bebe-o, fuma-o, esgana-o.
Mas se não te apetecer escrever fica quieto. Tão quieto que alguém pense que morreste, e depois, chame alguém que o ateste.
Se contratarem carpideiras para o teu funeral apalpa-lhes o cu quando estiverem distraídas a chorar. Se tiverem ovo tanto melhor.
Mas se não te apetecer escrever, fica quieto.
Sente este vento que não é de morte. É só o vento.
A escrita foi andar de baloiço com a vida e chegará tarde, não te maces por isso em acreditar que ainda hoje se deitará na tua cama. Se o fizer virá impregnada do cheiro de um outro.
Se a amares verdadeiramente, beija-a quando vier.
Se chegar.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sessão na Escola EBI,2,3 de Vila Cova


Estive hoje a convite da Biblioteca Municipal de Barcelos nesta simpática escola do concelho.
Foi um prazer falar para uma plateia interessada de alunos do 9º Ano, com quem conversei da minha paixão pela escrita e desvendei alguns segredos dos quais normalmente não falo nas apresentações..
Agradeço toda a hospitalidade. A fantástica refeição e simpatia.
Aos dois alunos que musicaram o meu poema «Veneno» dizer-vos que adorei simplesmente.
Têm que gravar isso e enviar-me para eu colocar aqui no Blog.
Um abraço especial para as professoras envolvidas na organização e a todos o meu muito obrigado. Até breve.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Encontro do site Luso-Poemas


Foto de Cristina (Mim)
Organizado por vários escritores pertencentes ao site, naturais da região de Braga, decorreu em Tibães o VI Encontro deste espaço de internet que nos junta e nos faz partilhar textos e amizade.
Foi um encontro magnífico, que teve a presença de cerca de seis dezenas de Lusos e convidados, e um prazer fazer parte desta organização.

Mais fotos em: http://corpodecorcel.blogspot.com/2009/12/vi-encontro-do-luso-poemas-5-de.html

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Poema para o Ary



José Carlos Ary dos Santos
Poeta português, natural de Lisboa. Saiu de casa aos 16 anos, exercendo várias actividades como meio de subsistência.
Revelando-se como poeta com a obra Asas (1953), publicou, em 1963, o livro Liturgia de Sangue, a que se seguiram Azul Existe, Tempo de Lenda das Amendoeiras e Adereços, Endereços (todos de 1965). Em 1969, colaborou na campanha da Comissão Democrática Eleitoral e, mais tarde, filiou-se no Partido Comunista Português, tendo tido uma intervenção politizada, mas muito pessoal.
Ficou sobretudo conhecido como autor de poemas para canções do Concurso da Canção da RTP. Os seus temas «Desfolhada» e «Tourada» saíram ambos vencedores. Em 1971, foi atribuído a «Meu Amor, Meu Amor», também da sua autoria, o grande prémio da Canção Discográfica. Declamador, gravou os discos «Ary Por Si Próprio» (1970), «Poesia Política» (1974), «Bandeira Comunista» (1977) e «Ary por Ary» (1979), entre outros. Publicou ainda os volumes Insofrimento In Sofrimento (1969), Fotos-Grafias (1971), Resumo (1973), As Portas que Abril Abriu (1975), O Sangue das Palavras (1979) e 20 Anos de Poesia (1983). Em 1994, foi editada Obra Poética, uma colectânea das suas obras.
Personalidade entusiasta e irreverente, muitos dos seus textos têm um forte tom satírico e até panfletário, anticonvencional, contribuindo decisivamente para a abertura de novas possibilidades para a música popular portuguesa. Deixou cerca de 600 textos destinados a canções.
In: www.astormentas.com/ary.htm

Poema para o Ary

Olha quem ali está ao meio
E das palavras se alevanta
Madeixa sobre o rosto cheio
Em voz forte de quem nos canta

É o Ary, poeta de capote
À desfolhada de um sentir
Que do verbo faz o mote
Ser, fazer e construir

Olha quem ali canta a militância
Num cantar de putos feito
Quem nos afaga na constância
De um coração a bater no peito

Olha quem anda em nós à solta
Cavalo sem rédeas, chão de cidade
É o Ary da nossa vida toda
A pintar com palavras a verdade

Viverás eternamente a desgarrada
De quem arriscar o que escreva
De quem ame a vida na vida amada
E na morte pela vida se atreva

Olha quem ali está ao meio
E pelas palavras se agiganta
Um poeta sem epitáfio nem rodeio
A soltar-se livre da tua garganta

Até ao fundo do fim


Foto: António Jorge Fernandes


Derruba-me como um castelo de cartas,

Desconstrói-me em legos.

Apanha-me pelo Às de espadas. Trespassa-me.

Sacia-te em mim.

Prova-me inteiro a partir do osso.



Que achas de fazermos dessa verdade um livro?

Não, demasiado redutor.

Já sei, fazemos um filho de palavras a partir de

dentro.

E se nos sobrar tempo, rasgamos ao meio a dor.



Desafina-me até descobrirmos um sentido para a

palavra.

Algo que nos impeça de auxiliarmos a eutanásia

dos silêncios.

Algo que nos sacie de fome.

Sabes de alguém que possa carregar por nós o

fardo dos dias?



Eu por ti morria as vezes que fossem precisas,

Doava os olhos em vida mesmo que o tacto não

fosse garantido.

Fazia-me cigano e cortava os pulsos.

E como nunca seria tarde demais o começo daquilo

que nunca fomos

Brincávamos com Deus até do paraíso sermos

expulsos.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Desconstrutivite por José Silveira


Desconstrutivite por José Silveira | Music Upload

Desconstrutivite


Foto de António Jorge Jorge Fernandes



Demorei porque atrás de mim caminhava o homem imperfeito.
Não esperei por ele só por esperar.
Uma mulher subiu ao palanque de mim por uma corda.
Perguntar-me porquê é decidir.

Se subo a ela resvalo, se espero anseio.
Metade de mim é um todo de um outro
Fazer é destruir tudo o que não me penso.

Saber de um gato que de telhados tenha zinco,
Não é menos importante que fechar a porta com o trinco
A rima quando acontece precisa de uma que se abra,
Atrás de um feixe de cinema e gorjeta esconde-se sempre um beijo.

Desconstruo-me porque quero
Tenho só um deus porque matei o outro.
Foi em Vila Real detrás dos olhos
Num dia em que para amanhecer foi preciso pedir.

E veio o vento, sorrateiro dos pinhais
Soprar-me até ganharmos líquenes
E os anéis das árvores a comprometerem
O viver no meio de coisas tão banais como o amor

A solidão falava-me de um poço. Eras tu mas eu não sabia
Foi por isso que ajudamos um cego a subir a ladeira de nós
Por uma âncora de terra que se perguntava.
Ao fundo, a tristeza era um pássaro em fogo.
Podia ser o poema?
Podia.