sábado, 28 de novembro de 2009

Na fúria do nós - Hélder Magalhães





Hélder magalhães, autor de Vizela, e um amigo já, apresentou no passado dia 7 de Novembro, na fundação Jorge Antunes, o seu livro de poesia «na Fúria do nós».
Oportunidade para conhecer melhor um autor verdadeiro até à medula, comprometido com as causas que abraça e a partilha do seu amor às letras.
Os muitos amigos e conhecidos do Hélder lá estavam, para ouvirem as suas palavras tranquilas e dizerem os seus poemas.
Um final de tarde excelente.
O meu abraço Hélder.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

por um acaso só


Foto de António Jorge Fernandes

Por um acaso só

Por um acaso que era tudo dentro das coisas
Lembrava-se de um sorriso triste
O mais belo que vira.
Os olhos, de todas as tempestades. Faróis.
Tão tristes de tão luminosos, tão vastos de tão perto
Tão ao norte quão incertos.

Um vento que de gaivotas era grito
Um rosto em tranquilidade quase aflito
Um naufrágio no coração da vaga, um sufixo.
Um afago,
Que de tão precisado parecia não ter forças para se dizer.
Um fado.

Um rasto de mar em cada afecto perdido
Um verbo urgente na urgência do verbo amar
Um quase nada dentro das coisas
Um quase tudo que desatava o nó.

Lembrava-se de um sorriso triste, por um acaso só.

domingo, 22 de novembro de 2009

O nosso Director - Escritor


A turma do 5º A durante uma sessão na Biblioteca da escola.

Recebi da Filipa, da Sara e da Diana, minhas alunas na Escola de Távora no passado ano, este texto que me deixou até emocionado, e que fizeram no Clube de Jornalismo.
Estas pequenas grandes atletas foram campeãs de corta-mato do Distrito de Viana no escalão de infantis femininos e deram-me uma das maiores alegrias da minha vida de professor e treinador.
Gosto muito delas e de todos os alunos que durante dois anos conheci nesta escola.
Um grande abraço.

O nosso Director de turma do ano passado é um grande escritor. (de fábulas, poesia e contos tradicionais)
José Ilídio era professor de Educação Física e professor do clube de desporto da nossa escola. Era um professor exemplar do qual gostávamos muito. Ficámos com boas recordações e saudades dele.
Quando andávamos no 5ªA foi ele quem nos treinou e foi graças a ele que nós conseguimos agora estar numa boa posição, no desporto escolar. Ganhámos várias provas praticadas ao sábado: mega sprint, corta mato distrital. Foi um professor á maneira!
Este professor foi director de uma equipa de futsal, pai, educador, director da nossa turma e conseguiu dirigir tudo na perfeição.
Diário de Maria Cura, Beatriz e o Espelho Mágico, que faz parte de Contos de Água e Areia, foram os livros que ele escreveu.
Estes exemplares tiveram bastante sucesso.

Estava o gato alpendorado


Foto: António Jorge Fernandes

Estava o gato alpendorado, seguro no abismo, descansado nesse equilíbrio.
O homem, chegado por um fio de arame que se estendia até ao infinito, ao tentar afastá-lo para um último passo firme, escorregou e caiu.
A meio da queda lembrou-se de já ter sido pássaro num outro tempo, bateu asas e voou.
Quando podia finalmente usufruir da liberdade, regressou ao ponto de partida.
O gato sonolento deixou-se estar, alpendorado e perfeitamente equilibrado no abismo.
O homem pairou sobre ele batendo as asas como um querubim, e preparou vingativo um pontapé.
Quando o chutou, Deus fechou os olhos. Um bombista suicida fez explodir o mundo.
Ainda lhe restavam seis vidas, nas sete dos gatos, e na próxima já tinha decidido, queria voltar a ser baleia.
Deus adormeceu a pensar em coisas boas que ainda lhe podiam acontecer, e nunca mais acordou.
Veio uma nave e arrumou os cacos.

domingo, 8 de novembro de 2009

Já não me falta nada para ser quase feliz

Perdi uma vez o meu destino num jogo de cartas.
Tinha o Às, mas descuidei-me e alguém o escondeu na manga.
Desconfio de uma mulher de formas redondas, que me observava de longe. Ali logo ao lado do meu destino sem número na porta, cúmplice de um carteiro que nunca conheci pessoalmente.
Nunca falei com o meu fígado sobre o enjoo do mundo, mas um dia ele inchou tanto que me vi obrigado a reparti-lo numa mesa onde os comensais eram pobres escolhidos a dedo.
Houve um que me perguntou se o vento cortava.
Respondi-lhe afirmativamente em Braille, comendo eu próprio um pouco de mim.
Fiz de seguida um testamento para o mundo e registei-o na conservatória mais estreita de uma rua que parecia não ter fim.
Deus, ao fundo daquilo que parecia, era uma miragem que eu via por um telescópio que me espiava.
Recordo-me de termos jogado às cartas. De ele ter dito distraído que guardava armas em casa.
Acho que lhe falei de quase tudo que tinha atravessado na garganta, revoltado, entrecortando toda a eloquência que tinha quase calado, com um silêncio estranho que uma rapariga ao longe fazia com a rodela de um limão num copo vazio de Gin.
O Às nem sequer me fazia falta. Aliás, ninguém acreditou no meu bluff quando prometi uma terra para um povo de que já não me lembro.
Desde esse momento que não preciso do destino para adivinhar o amanhã. Construo-o com palavras e uma argamassa de areia e sangue, que um dia, se o mar estiver revolto há-de fazer-me o favor de destruir.
Quando eu for só uma pedra, arremessa-ma.

sábado, 7 de novembro de 2009

Ninguém morre e vai para o céu


Foto: António Jorge Fernandes
Ninguém morre e vai para o céu.
Até se pode morrer e ir para um lugar abaixo de nós. Raiz de árvore, seiva de flor, estômago de pássaro.
Nesse caso, a alma não levita, entranha-se na terra fecundando-a.
Há um espírito universal em tudo o que vive e provavelmente até numa pedra. Na conjugação de todas as coisas. Há um espírito que vive numa obra de arte, nas páginas de um livro, na anatomia da memória. Na história.
A passagem de cada um de nós pela vida alimenta esse espírito, o que nos coloca a todos como irmãos, filhos de uma mesma mãe.
Estar à espera de um céu depois de morrer, seja por via de uma licença passada pela igreja, seja por via da própria espiritualidade de cada um, é um pensamento profundamente redutor.
A função de cada ser nesta vida, é ser melhor. Signifique isso a capacidade de irmos perpetuando a beleza das coisas e das suas emoções, a nobreza dos gestos e da partilha, mesmo que cada um cometa erros, ou sinta que falhou num determinado momento.
O espírito de cada um realiza-se num todo. Não existe um qualquer lugar marcado no céu, não existe propriedade nem o seu direito.
A capacidade destrutiva do homem faz parte do ciclo infinito da vida. A terra será uma rocha um dia, mas haverá sempre uma semente de liberdade a romper o chão, a vir da água, a trepar às árvores, a nascer do ventre de uma mulher, seja até num outro lugar.
A história da terra escreve-se em poema, a vida é uma prosa só.