sábado, 7 de novembro de 2009

Ninguém morre e vai para o céu


Foto: António Jorge Fernandes
Ninguém morre e vai para o céu.
Até se pode morrer e ir para um lugar abaixo de nós. Raiz de árvore, seiva de flor, estômago de pássaro.
Nesse caso, a alma não levita, entranha-se na terra fecundando-a.
Há um espírito universal em tudo o que vive e provavelmente até numa pedra. Na conjugação de todas as coisas. Há um espírito que vive numa obra de arte, nas páginas de um livro, na anatomia da memória. Na história.
A passagem de cada um de nós pela vida alimenta esse espírito, o que nos coloca a todos como irmãos, filhos de uma mesma mãe.
Estar à espera de um céu depois de morrer, seja por via de uma licença passada pela igreja, seja por via da própria espiritualidade de cada um, é um pensamento profundamente redutor.
A função de cada ser nesta vida, é ser melhor. Signifique isso a capacidade de irmos perpetuando a beleza das coisas e das suas emoções, a nobreza dos gestos e da partilha, mesmo que cada um cometa erros, ou sinta que falhou num determinado momento.
O espírito de cada um realiza-se num todo. Não existe um qualquer lugar marcado no céu, não existe propriedade nem o seu direito.
A capacidade destrutiva do homem faz parte do ciclo infinito da vida. A terra será uma rocha um dia, mas haverá sempre uma semente de liberdade a romper o chão, a vir da água, a trepar às árvores, a nascer do ventre de uma mulher, seja até num outro lugar.
A história da terra escreve-se em poema, a vida é uma prosa só.

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