segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
A arte não é para todos *
Foto: Google
* Crónica a editar no jornal que me acolhe, me premeia pelos seus leitores, e no qual sempre encontrei amizade, sensibilidade e empenho na mesma luta comum.
Crónica
A ARTE NÂO É PARA TODOS
Quem pensa que a arte é para todos está redondamente enganado. Tão enganado como aqueles que acreditam que o senhor Cavaco vai ser o presidente de todos os portugueses nos próximos anos. Nunca o foi, e a arte também não.
Se eu dissesse que não posso com este país, não mentiria, da mesma forma que isso não beliscaria o amor que lhe tenho, o orgulho que sinto em ser português. Todavia, enquanto criador, sinto na pele todas as agruras de um país sempre adiado. Parolo. Não encontro melhor termo para o definir.
Um país mesquinho, acovardado. Um país de adágios, de lengalengas, de provérbios.
Um país que desbarata sistematicamente a oportunidade de se afirmar entre os pares, que desaproveita a sua vocação atlântica, a sua história rica.
Não a história dos monarcas, dos senhores, mas a história de uma alma marinheira, que tinha o homem no mar e uma casa em terra. Uma horta, uma vaca, um cão.
Tomaram os políticos conta do estado da nação, mas não se responsabilizaram por ela. Numa covardia cacique que dá de comer a uma corja, muita dela assolapada em redor da eterna capital do império, que já ruiu faz tempos.
Na arte igual, pese embora o facto de muito daquilo que acontece em termos culturais, se ter descentralizado.
Não porque as políticas a isso conduziram de forma decidida, mas porque os artistas têm fome de afirmação, querem passar a mensagem de um Portugal novo.
Mas quais artistas?
Os da lisboa cosmopolita, virada para o seu umbigo, ou os da paisagem, que teimam em pintá-la com novas cores?
Os outros, digo eu. Os novos artesãos de um futuro sem fronteiras, que teimosamente lutam contra o preconceito, a hipocrisia instalada.
O problema é o eco mediático, que consagra alguns, e deixa os restantes criadores com valor à mercê do acaso.
Vive este país noveleiro de uma televisão com câmaras instaladas no Rossio, que é uma espécie de Fortaleza ou Baía.
Interessam ao povo muito mais as cenas do próximo capítulo, que a identidade perdida dia após dia. E ninguém parece dar-se conta disso.
Por outro lado, entrou a internet decidida nas casas dos portugueses. Mais não seja porque lhes foi imposta através dos filhos que já não são seus. São do sistema, e têm todos o apelido Magalhães.
Entrou para o pai, a mãe, para o avô e a avó até. Que coisa linda!
De repente, todos escrevem em sites pseudo-literários, todos têm perfil nas redes sociais, todos querem editar um dia um livro, fazer uma exposição de pintura na sede da junta, quiçá até nos paços do concelho.
Não há maior perversão que isso. Porque aquilo que acontece sistematicamente é a vulgaridade, a mesquinha percepção das coisas.
A homenagem a este e aquele, a poesia de meia tigela, o canto esganiçado, o quadro de merda.
Isto é o pior que podia acontecer a um país parolo. Sentir-se burguês apesar da crise, e pensar que a arte é para todos.
Experimentem dizer isto num qualquer site de partilha literária, digam-no sem rodeios. A experiência pode vir a ser avassaladora. Já tenho a minha parte.
- Quem é que você pensa que é?
- Lá por ser licenciado...
- Olhe que eu não estudei, mas tenho os meus escritos registados na Sociedade Portuguesa de Autores.
- Já escrevi vários fadinhos...
Não me lixem!
Escrevam cartas ao Director deste jornal a dizer que sou xenófobo, que não posso com o Benfica, que tenha a mania disto e daquilo, mas não façam de mim parvo, muito menos burro:
- A arte não é para todos, é para qualquer um que a sinta: sem credo, preconceito, idealogia. Sem Lisboas mediatizadas, sem as elites gays, sem as maçonarias editoriais, sem as máfias sociais.
A arte é a arte, triunfa sempre.
A porra é o tempo que demora.
domingo, 23 de janeiro de 2011
Nem sapos nem.
Imagem google: «sapo-bufo-calamita»
Nem sapos nem
Achava os sapos demasiadamente gordos e viscosos para os engolir.
Tentou uma vez uma cobra, mas a safada conseguiu penetrar até à uretra, mostrar a sua língua viperina.
Pegou-a por um rabo de fora.
Achava alguns homens como sapos. Custava-lhe engoli-los. Não porque coisa nenhuma, por serem demasiadamente gordos e viscosos.
Tentou uma vez uma mulher que não fosse um rabo de saias. Falou-lhe de uma cobra, bem capaz de engolir um sapo.
Veio o homem que não sabia o que fazia ali.
Trazia ao pescoço uma cobra que tinha engolido um homem, um sapo, uma uretra, uma mulher.
Sentou-se muito sossegado num sonho, acendeu um cigarro, e explodiu.
domingo, 9 de janeiro de 2011
Nunca mais
Foto: João Luz*
Não se consegue escrever sobre o amor quando se ama. Tentar fazê-lo é falhar.
O amor é verdadeiro enquanto coisa dizível somente na ausência, na perda.
Poema que fale de amor experimentado é redutor, porque o amor vivido não precisa de poemas que o digam. É.
Nunca mais
Nunca mais te verei sorrir, já decidi
Nunca mais te esperarei
Faltarei a todos os encontros que te prometi
Nunca mais o beijo
Nunca mais o afago
Sequer o ensejo de um braço-dado
Nunca mais a rua sem fim
Uma promessa de filhos
Dois anjos e um arlequim
Nunca mais o calor do teu corpo
O suor apertado dos espartilhos
Um tempo de amor num tempo morto
Só esta vontade de rasgar o peito
De não ter rumo, nem sorte
E ser o amor tão imperfeito como a morte
* João luz é meu amigo e colega. Um excelente fotógrafo e artista.
É responsável pelas fotografias de capa dos meus livros:
«Contos de Água e Areia» - 2008
«Os poemas não se servem frios» - 2010
domingo, 2 de janeiro de 2011
Sou bem capaz de matar
Foto: google
Sou bem capaz de matar
Sou um serial killer banal
Cometo crimes de faca e alguidar
E ninguém me leva a mal
Já matei um presidente
Já matei um deputado
De um ainda tenho um dente
Do outro um tostão furado
Enforquei a minha sogra
Degolei um assalariado
Um país que sempre demora
E um padre remunerado
Vi olhos rogando misericórdia
deu-me gozo circuncizá-los
Focei como um porco na mixórdia
Deixei as feridas ganharem calos
Já matei um otário, um Papa
Já matei o maior vigário
Um tipo dissimulado e à socapa
Que me queria vender o Sudário
Eu matei o próprio Cristo
E trago Judas tatuado nos braços
No coração uma espécie de quisto
E nos dedos a procissão dos passos
E tudo isto porque escrevo
porque sou devasso e livre
Porque mato até o medo
e tudo aquilo que nunca tive
O meu destino é de sangue
Tenho atrás de mim um rastro
Madalenas que me deixam exangue
E tudo aquilo com que me basto
Por isso o meu poema é de morte
Um rasgo cirurgico no peito
Um eterno tentar da sorte
Neste amor mórbido do leito
Quando me leres, benze-te
Três vezes antes de me amares
O que sou em verdade, pertence-te
Pensa bem antes de me matares
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