segunda-feira, 5 de novembro de 2012

DE REGRESSO AO MEU VELHO BLOG

Os caminhos da minha vida são feitos de encruzilhadas. Há alturas em que sigo inteiro, outras em que vou em várias direcções. Partir ficando ou ficar partindo, são sempre hipóteses em aberto. Estou de volta sem nunca daqui ter saído.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

por não te amar assim perdidamente

Foto: jorge manuel palha «os nós e os laços» por não te amar assim perdidamente uns dedos não se entrelaçaram não se abraçaram com os campos da tua janela no quarto crescente de nós um beijo não foi dado um sorriso não se partilhou uma peça de teatro não aconteceu um jantar a dois não se combinou por não te amar assim perdidamente houve um poema que não se fez um tempo que nunca nos pertenceu uma vez como a primeira vez o vento a afagar-te os cabelos o ar impregnado do teu cheiro o chão a abrir-se nos teus passos por não te amar assim perdidamente deixei todos os romances a meio nunca desatei os nós e os laços fiquei perdido no seio dos enredos mereço que as palavras me abandonem que os meus dedos sejam só os meus dedos e depois não saiba dizer-te urgente na verdade do poeta a ilusão do homem por não te amar assim perdidamente in: «Os poemas não se servem frios» Temas Originais 2011

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Era uma vez uma história começada por era uma vez

Era uma vez uma história começada por era uma vez Era uma vez uma história que ainda não tinha sido escrita, por isso não começava, não se desenvolvia, nem acabava. As personagens não eram nem principais nem secundárias, porque ainda não tinham sido criadas. Passar-se-ia numa folha branca, num dia em que o escritor se sentasse à sua secretária, de frente para a janela de onde se avista uma outra. Vive lá uma mulher que deseja muito ser amada, mas que a cidade esqueceu. A sua história é tão desconhecida como as razões de uma página branca desafiando quem a olha. Está ali, à distância de uns dedos que a toquem, de um corpo que a preencha e tome. Mas o escritor não sabe disso na hora de escrever a sua própria solidão. Por isso imagina histórias começadas por era uma vez. E foi o que fez da vez em que viu um rosto belo de mulher abeirar-se da janela que fica de frente para a janela da sua escrita. Cabelos escuros, abaixo de uns ombros delicados. Seios que se adivinhavam redondos, num corpo generoso que merecia o sol naquela tarde cinzenta de inverno. Logo a tomou como personagem, rodeando-a à distância com suas mãos abertas e seus braços longos. Sentiu-se acompanhado pela tristeza que descobriu nos seus olhos salgados e distantes, profundamente tocado por uma ternura que precisava das palavras para se cumprir. Por isso, como um pintor que pinta um modelo fortuito surgido do nada, começou a escrever a sua história. Falava de uma mulher esquecida pela cidade, capaz de amar intensamente, mas à espera de uns dedos que a tocassem, a tomassem, despindo-a da angústia dos dias iguais. De tão embrenhado que estava na construção daquela história que agora existia, se desenvolvia e caminhava para o fim, nem se apercebeu de uma estranha azáfama no rés-do-chão, misturada com gritos e olhos tapados de dor. Sequer de um policia correndo as cortinas da janela que ficava irremediavelmente de frente para a sua escrita. Terminava bem aquele texto que escreveu em tributo a uma mulher que pressentiu de forma fugaz naquela tarde cinzenta de inverno. Tinha-lhe oferecido o amor, em palavras como agasalho aos dias tristes e sós de uma cidade que se esquece de partilhar afectos na sua volúpia. Rubra era a calçada, quatro andares abaixo da eternidade. Foto: Jorge Manuel Palha

sábado, 14 de janeiro de 2012

O CÃO QUE ME ESPERA

O cão que me espera não tem pernas, flutua e lambe-me o rosto Mas sabe falar inglês, e ninguém o diria Serve-me martinis dry, com azeitona e tudo O jornal, trago-o eu nos dentes desde que passo a porta Por vezes temos necessidade de trocar os papéis Ele escreve e eu ladro o mais alto que posso Entre mim e o cão que sempre me espera, não existe trela Só um esplendor de sol, e relva E tem dias até em que ele me lança o disco E eu apanho-o soberbo com os dentes, num rasgo de rins E rio-me disso Logo depois do osso que ofereço ao destino para que nos apanhe A mim e ao cão que nunca deixou de me esperar Quando trago um cheiro a poemas no pelo E ele me escova até eu deixar de me coçar Sou-lhe fiel como um homem pode ser a um cão. in «Os poemas não se servem frios» Temas Originais - 2010

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Ainda ontem me suicidei

Ainda sinto o sabor a queimado da pólvora na boca. No buraco que tenho na nuca plantei gerânios, planta de que só tinha ouvido falar de nome, mas que se entranhou bastante bem. Tenho, é dificuldade em conseguir per...ceber o homem vestido de bala, que intermitente, saltita levantando os braços. Para ser sincero, eu não me suicidei ontem, foi tudo um equívoco. Eu estava a limpar a arma com a língua. Esta que me faz disparar a torto e a direito, mais tiro menos tiro pela culatra. E foi o que aconteceu. A arma disparou um abutre negro recém-chegado, que nidificou no meu palato e agora vive de cadáveres. E tem vezes até, em que sonho que me estou a autopsiar. Quando chego ao fígado, aparece sempre um daqueles letreiros intermitentes de Motel, um néon rasca descarado nos corpos. E eu, num Cadillac que nunca tive, embalo desfiladeiros. E chego a pensar que a Rosanna Arquette não envelhece, e que vale a pena ter Hollywood numa jarra. Foto: Jorge Manuel Palha