sábado, 31 de outubro de 2009

A Gina está uma senhora



Ouvi hoje, manhã cedo, a caminho do trabalho, a notícia de que a Gina fazia trinta e cinco anos.
Vinda para o país nos tempos imediatos à revolução de Abril, terminada que foi a censura, pela mão de um editor arrojado, que a descobriu, imagine-se, na conceituada Feira do Livro de Frankfurt, logo suplantou a crónica feminina, a revista ícone que vinha já de outros tempos. Ao que consta, vendendo-se de um dia para o outro 30.000 exemplares.
Um sucesso, a primeira revista pornográfica que entrou em Portugal, na euforia de uma liberdade sem medida, e ainda bem para quem aprende com os erros.
Venderam-se desde aí, presumo que milhões de unidades.
Conhecem-na por maioria os homens, mas por inerência directa, também as mulheres, que sempre as descobriram ao namorado ou marido. Na mesinha de cabeceira, em cima de um armário, ou num fundo falso secreto.
Eu quando era rapaz, guardava-as no mesmo sítio onde o meu pai também escondia as primeiras cassetes Betta, depois VHS. Num fundo de um relógio de pé, guardadas pelos pêndulos interiores. Único local da casa onde minha mãe, doente por limpeza, nunca se iria lembrar de limpar o pó. Ou se calhar não e também sabia…
A Gina começava sempre pelos preliminares da história, com o encontro, a roupa ainda vestida, coisa que hoje parece ter entrado em desuso. Havia sempre uma histórinha de escacha pessegueiro pelo meio, mas era sempre isso aquilo que mais excitava o pessoal.
Depois entravam as línguas em acção, empurradas por legendas de fraco recorte literário, coisa perfeitamente normal para o género.
Quem quisesse, logo no início deste tempo, e preferisse uma coisa mais soft, podia sempre assistir às primeiras exibições em cinema de «O último tango em Paris», e deleitar-se com dois dedos untados em manteiga e a sugestão de que algo se passava num buraco estreito.
Lembro-me de os meus pais me deixarem em casa da minha avó para o irem ver, e no dia seguinte estar um chocolate na mesinha de cabeceira. Não fosse esse detalhe, e eu nunca questionaria que tipo de filme tinham ido ver.
A Gina foi responsável por muita borbulha na cara, muita noite mal dormida, olhos encovados, fazendo disparar o consumo nos adolescentes de óleo de fígado de bacalhau, que suas mães assim o impunham para evitar uma fraqueza.
Na casa de banho, no quarto, ou na própria sala quando os pais não estavam, a Gina sempre se sentou com cada um.
Fosse rapaz, homem ou mulher, quem a lessem, num acto solitário, ou partilhado, a revista, ninguém o nega, sempre foi indissociável do prazer.
Compravam-se e trocavam-se, mesmo que tivessem muitas vezes páginas coladas.
Não sei se alguém, alguma vez chegou a apanhar aquelas moléstias muito faladas nesse tempo, em zonas púbicas, mas desconfio bem que sim.
Nestes 35 anos de Gina, muito Homem se fez amante pelos seus ensinamentos, numa prática demonstrada, que por repetição deu em casamento e filhos, ou não.
Neste dia, em que se comemora uma data tão significativa, mais logo pela tardinha, procurarei a minha fiel amiga no quiosque de sempre, de olhar baixo, não esquecendo de folhear primeiro outras revistas ditas normais, entregando com um assobio o dinheiro prontinho e zás que se faz tarde e bate no peito um coração.

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