quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Filho Adónis de um Deus Desconhecido


Foto de António Jorge Fernandes

Nunca foi aos Jogos Olímpicos, mas fugindo do touro, salta por cima de muros em estilo Flop, caindo de costas em colchão de palha no celeiro da quinta.
Corre mais que o cão, seja em plano ou com obstáculos, e lança longe a vassoura que lhe metem nas mãos.
Levanta pesos bem medidos em sacos de ração, faz ginástica para apanhar as galinhas fugidas da capoeira. Pratica equitação numa égua coxa que nunca foi ensinada.
João Sem Nome, nunca foi aos Jogos Olímpicos, mas pedala como um desalmado para chegar à mercearia do povoado de recado cravado nas pernas, a cada vez que a voz de partida do patrão soa aos seus ouvidos como um tiro.
É rapaz novo ainda. Franzino porque come mal, voluntário à força do trabalho mal pago, por força de um destino sem progenitor conhecido. Filho de uma mãe que se perdeu no vinho, e nunca se encontrou em parte incerta que fosse.
A quinta é o seu estádio.
Por vezes, quando a imaginação lhe pede, solta-se dos sapatos rotos e calça-se de “bicos” de corrida, para voar pelos caminhos, qual pista sem marcações, qual gazela africana sem rumo, quase fugindo. Depois, regressa sempre com eles desapertados no pescoço, para se deitar com a noite, coroa de louros na cabeça. Glorioso. Feliz. Apesar de ficar instalado em colchão de feno e as telhas terem nome de estrelas.
Enquanto vai fechando os olhos, vai diminuindo o burburinho das bancadas, o aplauso mágico que o faz viver um sonho como se isso fosse a sua liberdade e o seu direito. Único.
Filho Adónis de um Deus desconhecido, que dorme no regaço da mãe natureza, João Sem Nome é feliz de se pensar grande, e isso é pensar mais alto, mais forte e mais longe.
As manhãs acordam-no pelo Galo altivo da frincha da janela de tábuas. Trazem um pedaço de broa nas fraldas e uma malga de leite quente nas tetas da dedicada Marinheira. É todo o alimento que precisa para sentir o cheiro ao novo dia, e chegar ao campo de treinos que é toda a paisagem que os olhos vêem.
Quando o sol se puser aborrecido no panteão que é celeiro, haverá mais um dia contado em cada passo de gigante, umas asas de Fénix na sua alma sempre renascida, um herói cuja vida nunca foi conhecida, mesmo sendo a vida sua amante.

Sem comentários:

Enviar um comentário