quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A história quase triste de Belarmino Catota


«De passagem» António Jorge Fernandes

Estava quase a dormir na espera mas resolveu tentar a sorte quando ouviu chamar:
-Belarmino Catota!
Raio de nome lhe haviam de ter dado.
Velho Catota morrera de embolia durante um jogo do Estrelas da Noite”. Conta-se que não conseguia respirar. Tanto que morreu.
O Belarmino, não queria acabar como o pai. Sem glória, que o "Estrelas" até perdeu e houve porrada de criar bicho.
Concorreu à polícia.
O que o chamou, abotoava os botões da camisa a um bacalhau recheado, sem pudor nenhum. O palito ao canto sinalizava a atmosfera.
- Então você é que é o Belarmino de Bouro?
- De Catota. – Disse como se de repente o nome fosse nobre.
- Eu sei que é do Catota, fale baixo… O seu tio falou comigo… Não se preocupe.
- Não me diga?! O que anda com a minha mãe?
O polícia alçou o cinto até ao limite da decência, separando as águas apertadas.
- Responda às perguntas e logo se vê o que se pode fazer…
Belarmino não era burro. Coçou a orelha vinte e seis vez durante o exame mas respondeu a tudo.
Passou sem saber ler nem escrever, que é como quem diz.
A mãe mandou-lhe depois um par de frangos, batata e feijão da terra, que agora repartia com o irmão do falecido, para agradecer o favor.
Recebeu o diploma numa farda azul que não lhe assentava como uma luva. Houve festa e vieram até umas moças que no fim ainda receberam dinheiro.
Ansiava pela primeira ronda, tanto, que quando ela aconteceu, deu um tiro num pé logo ao sair da esquadra.
Quando se preparava para regressar ao activo que nunca experimentara, uns meses depois, sucedeu algo perfeitamente inusitado.
Quando entrava na esquadra, um tiro furtivo de um revólver roubado por um detido, atravessou-lhe o peito.
A última coisa de que se lembra é que eu estava a escrever a sua história.
Delírios mortíferos.

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