sábado, 3 de outubro de 2009

Falta-me um scotch para a meia noite


António Jorge Fernandes - Abstracto

Lá fora a cidade rivaliza em brilho com as estrelas e um novo dia deixa-se adivinhar pelo arrumar dos copos e o olhar lei de um polícia gordo com vontade de fechar o turno.
Pela vidraça vislumbro-lhe filhos em casa, uma mulher que o ama à prova de bala.
Falta-me só um scotch para a meia-noite de todos.
Amanhã se me lembrar hei-de escrever sobre isto. A vontade que tenho de abraçar o polícia gordo que está em todos os meus sentidos e tapa parte da rua da minha loucura, já ali ao fundo quase quieta, chamando por mim.
Tenho um pé no poema, o outro corre rápido na frente para me avisar daquilo que ainda não aconteceu. Talvez seja por isso que sou feliz sem saber.
Amanhã, teimosamente, abrirei ruas para me dizer, urbanizarei o meu grito. Em cada casa me sentarei à mesa, em cada cama farei amor, e se me sobrar alento ensinarei filosofia às crianças.
Só me falta um gole de tempo.
O barman percebe isso e serve-me os verbos sem gelo.
Despeço-me deixando como gorjeta um pedaço do futuro como presente.
Ele, generoso, retribui com profissionalismo, apagando as manchas deste texto no balcão.

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