sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O gato gay

Tenho um, mas preciso de não ter os filhos por perto para escrever sobre a nossa relação.
Apesar do suborno chorudo, não me largam a perna, usufruindo do facto de serem crianças e se estarem marimbando para a esquizofrenia do pai.
Dei-lhes uma sugestão lúdica antes de me zangar, mas só a cumpriram depois. Os filhos são a alegria de Deus.
- Ah, o gato gay!...
Tenho um. Não veio numa cestinha como o outro. Apareceu do nada como é habitual acontecer em minha casa com os animais.
Quando digo animais, refiro-me aos que vieram juntar-se à fauna autóctone de lagartos, lagartixas, cobras rateiras, os próprios ratos, esquilos, salamandras e sapos. Uma ou outra rã.
Há um pouco de tudo por cá.
Uma Dálmata que um dia aqui chegou pela mão apaixonada da minha mulher, emprenhou duas vezes do Goia, cão fiel tipo pastor alemão ou belga, que habita ainda a parte mais elevada da propriedade.
Foram vinte e dois cães.
Desdobrei-me em contactos para lhes arranjar um lar. Vinte e um no total, que houve quem quisesse dois.
Gaspar o cão poeta, dominava o território até desaparecer sem deixar rasto. Era um podengo mas não parecia, porque tinha dentro dele um homem, já o escrevi muitas vezes.
Temos saudades tuas meu velho.
No outro dia vi um cão igualzinho a ti. Sabes porque é que não eras tu? Não eram os teus olhos, meu amigo. O teu olhar falava.
Por falar nisso a Beatriz acaba de levar uma palmada no rabo por bater no irmão, mas merecia antes palavras, foi desatenção minha. Perdoar-me-á, que já falamos.
Combinamos que foi a última, e negociamos o futuro com um beijo.
- Ah, o gato gay!...
Vá lá saber-se porquê, não tem nome como o Dali. Esse herdou-o de um outro gato que foi assassinado por uma boxer que escolheu a nossa casa para parir. Já não sei quantos foram, mas dei-os todos.
Não me recordo bem, mas uma noite, depois da cadela tigrada ter chacinado uma quantidade apreciável de galinhas na quinta dos meus vizinhos, ter entornado todo o lixo da vizinhança repetidamente, roído tudo que estava a jeito, acabei, com uma faca espetada no coração ou talvez não, por soltar aquela força insaciável da natureza num lugar de um monte bem distante da casa do canavial, sitio muito apreciado e frequentado pelos coelhos, que a esta hora, desconfio, já foram todos devorados pelo seu apetite voraz.
Custou-me, acreditem, mas todos nós já falhamos uma vez na vida.
- Ah, o gato gay!...
Se calhar até nem é.


«Gaspar» - Foto do autor

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