segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O silêncio estava todo encolhido


«Olé» foto de António Jorge Fernandes (vaca das cordas - Ponte de Lima)

O silêncio estava todo encolhido, cabia num ovo. A arma engatilhada.
Primeiro um quase nada, depois a percepção do alvo escolhido.
Deus me livre dos galhos rangerem pelas botas, e o silêncio ser assim ferido.
O cano da arma tem só um olho, que o outro está ocupado a olhar-se para dentro.
Ao primeiro sinal de movimento, o que vem do interior, sobrepõe-se ao tempo.
A vontade de matar é uma coisa que nenhum órgão destila.
Nasce no hemisfério entre o alvo e a dor.

Uma arma apontada é um instrumento criado pelos medos
O gatilho, um prolongamento dos dedos.
A presa, essa é o troféu que perdeu os direitos para o predador.
Instrumento de prazer que não joga a seu favor.

Matam-se homens a cada instante, afinal só mais alguns entre iguais
E é o único momento em que os homens morrem como os outros animais.
Sem condição, agredidos, apontados, feridos.
A arma que mata também mata pelos sentidos.

Mas os animais, na sua diversa condição
Anteriores ao homem e na sua linha directa de evolução
Continuam a morrer na campa rasa de todos os mandamentos
Pelos donos da arca, malfeitores de todos os momentos

Shiuuu…
Nem mais uma palavra
Olha-me aquela orelha ali na latada…
A arma dispara
O animal tomba
O buraco no peito tem forma ronda
Um homem jaz naquela sombra.

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