quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Não posso com médicos veterinários


Não posso com médicos veterinários

Não posso com médicos veterinários. Há uns anos atrás tratavam os animais de quinta, metiam mãos calçadas com luvas por orifícios insuspeitos, analisavam urinas, aplicavam vacinas.
Hoje, muitos deles abriram clínicas, hotéis.
Cães e gatos, depois disso, passaram a sofrer de coisas tão humanas como otites, stress, cólicas intestinais, cataratas e afins.
Não posso com médicos veterinários.
Não posso com os preços que praticam, com as suas clínicas sempre muito limpas, decoradas com maravilhosas imagens dos fieis amigos, à mistura com publicidade aos milagrosos remédios para todos os males, quais farmácias de serviço não comparticipadas pelo estado.
Dantes, as carraças arrancavam-se à unha ou com uma infusão de drogaria em cinco partes de água, e as pulgas, enfim, eram uma espécie de animais domésticos, cuja coceira dava sempre algum prazer à falta de outros.
Hoje, têm nome estrangeiro os produtos que nos livram delas e custam os olhos da cara.
Os bichos tomam ampolas, comprimidos, são picados por agulhas finas. Fazem até depilação.
Não posso com médicos veterinários.
Gato atropelado, para além de segundo o ditado ter sete vidas, faz o dono perder parte substancial da sua, caso a compaixão e o amor ao animal o leve até estes estabelecimentos mercenários.
Se for preciso operar, a conta terá pelo menos três dígitos, acrescida de uma taxa de pernoita, mais os anti-inflamatórios e as vitaminas.
Cão ferido em refrega por cadela no cio, regressa a casa com uma espécie de abajur na cabeça, com as orelhas ligadas com gaze e adesivo, mais a indicação de muda de curativo a cada cinco dias, feita obviamente por técnico altamente credenciado, em clínica não menos especializada.
É por isso que não posso com médicos veterinários desta nova era de amor aos animais. Desta democracia abrangente que olha as também criaturas de Deus com ternura e compaixão, animais que fazem a alegria dos filhos, a quem falta afecto e carinho, assim substituídos, dizem que por falta de tempo dos casais modernos.
Nada tenho contra a bicharada de companhia, que hoje em dia vai das aves raras aos répteis, e ponho-me mesmo a imaginar uma piton stressada enrolada no pescoço de quem o merece.
Tenho eu próprio animais em casa e contas apertadas no final do mês, sou vítima também desta classe, cuja legitimidade em exercer não questiono.
Também eu acho que sofro de stress e tenho diarreias, cólicas e outras maleitas que me deitam por terra. Hoje ladro, amanhã mio.
E quando vou ao Centro de saúde da minha localidade para me tratar, que inveja eu tenho dos de quatro patas, desejoso que me façam uma festa na cabeça, que a enfermeira aperte a boquinha e me diga: bilu, bilu…
Não, em vez disso, espero e desespero nas filas, sou tratado com arrogância, curado tantas vezes com displicência.
Eu, que no fundo, no fundo, até nem desgosto de médicos veterinários, eu não posso é com o meu país.

2 comentários:

  1. Ah grande Zé, é assim mesmo.
    Concordo contigo. E gostei de te ler.
    Beijo
    Antonieta

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  2. Tens toda a razão, Zé!
    Eu adoro animais domésticos (nada de repteis!)e gosto de os saber respeitados e bem cuidados, apesar de não ter nenhum.

    Mas porque será que nos Centros de Saúde as pessoas acordam sempre com os pés de fora? Ou será que escolheram a profissão errada? Talvez não gostem de balcões ou de dar injecções (será?)e outros afins...

    Tiro o chapéu (ou a boina...) a esta crónica.

    Beijinho meu*

    Manuela Fonseca

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