sábado, 26 de setembro de 2009

Quando eu for um pedinte sujo e andrajoso


Foto de António Jorge Fernandes «Vidas»

Quando eu for um pedinte sujo e andrajoso, dá-me esmola sem olhar. Depois, retira-te para dentro da tua felicidade até me voltares a encontrar. Estarei à hora certa das memórias, malcheiroso nessa esquina de nós.
Farei poemas em papel de merceeiro e venderei a retalho os dedos, pendurando todos os meus segredos na corda que me há-de enforcar.
Se a polícia vier, direi que sou um pobre diabo, meus poemas não servem sequer para limpar o rabo.
Se me baterem, hei-de guardar cada nódoa negra como relíquia de outras vidas, expor meu corpo por todo o lado.
Hei-de sentar-me na primeira fila da catedral, enojando as velhas carcomidas, hei-de papar a hóstia para escapar à fome.
Se me deixarem, talvez invada o púlpito. Se tiver força arranque até com as mãos o Cristo da cruz.
E os santos, se forem boa gente, lançarão pragas sobre quem não sente e farão justiça na casa de tão bô home.
Se me excomungarem, não apareçam depois com desculpas na hora da minha morte. Que todos têm direito ao perdão…Que basta uma só palavra…
A ser salvo, só eu decidirei se quero, morrer de verdade na terra ou de mentira no inferno.

Sem comentários:

Enviar um comentário